Igreja de Matias Cardoso/MG

 


 

NOTAS DOS
COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos associados efetivos obedeceu à sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos associados correspondentes e convidados;

A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em artigos publicados, nem por eventuais equívocos de linguagem nela contidos. A revisão dos originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.

FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade pesquisar, interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos, etnográficos, arqueológicos, genealógicos e suas ciências e técnicas auxiliares, assim como fomentar a cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e ambiental do município de Montes Claros e região Norte de Minas.

Volume XXIX
2º Semestre 2022

Montes Claros - Minas Gerais 2022


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Sobrado de Dulce Sarmento
Rua Cel. Celestino, 140 - Centro | 39400-014 | Montes Claros/MG
(Corredor Cultural Padre Dudu)

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Publicação Semestral

Diretor e Editor
Dário Teixeira Cotrim

Conselho Editorial
Dário Teixeira Cotrim
Wanderlino Arruda
Hermildo Rodrigues
Mara Yanmar Naciso Cruz
Silvana Mameluque Mota

Editoração, Diagramação e Impressão: Gráfica Editora Millennium Ltda.

Fotografias: Arquivo de Dário Teixeira Cotrim, Maria da Glória Caxito Mame- luque, Wanderlino Arruda, Silvana Mameluque, Mara Narciso, Aparecido Perei- ra Cardoso, David Ferreira dos Santos, Ivana Ferrante Rebello, Zélia Patrocínio Oliveira e Internet.

Impressão
Gráfica Editora Millennium Ltda.
ISBN: 978-65-86024-73-9

Capa: Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Brejo do Amparo

 


SUMÁRIO

Apresentação – 17

Aparecido Pereira Cardoso
Mauro César Sales Cordeiro – 21

Dário Teixeira Cotrim
Reminiscências – 25

David Ferreira dos Santos
Chico Preto – 28

Eduardo Oliveira Ferreira
Capitão Miguel Domingues – 39

Felicidade Patrocínio
Celebrando o ato de estar juntos – 54

Gustavo Mameluque
A civilização do couro – 58

Hermildo Rodrigues
O que é ter uma vida boa? – 60

Ivana Ferrante Rebello
Ô Abre Alas que os catopés, marujos e caboclinhos vêm chegando – 63

Jaime Kenji Takei Sistema educacional no Japão – 66

João Nunes Figueiredo
Ensaio sobre o histórico da violência policial em Minas Gerais – 69

Jarbas Oliveira Silva
Sessenta anos de sacerdócio de Monsenhor Antônio Alencar Monteiro – 77

José Geraldo Soares de Souza
Me lembrava o Riacho Fundo – 80

José Ponciano Neto
Solar dos Prates/Oliveira – 83

Landulfo Santana Prado Filho
À guisa de prefácio – 86

Laurindo Mékie Pereira
Paixão correspondida, ainda que tardia – 89

Manoel Messias Oliveira
Independência – 94

Mara Narciso
Montes Claros de Formigas – 97

Maria da Glória Caxito Mameluque
As festas de agosto em São Romão – 100

Maria Inês Silveira Carlos
Viajar a Montes Claros a cavalo – 104

Osmar Pereira Oliva
Prefácio – 108

Terezinha Campos
Festas de agosto – 110

Wanderlino Arruda
Silvana Melana, também minha mãe – 112

Tiago Valeriano Braga
O pequi dos gerais – 119

Zélia Patrocínio Oliveira Seixas
Bendita Dona Ditinha – 122

Nelson Viana (in memoriam)
Montes Claros tem o seu Brasão de Armas - 148


DIRETORIA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Fundado em 27 de dezembro de 2006.

COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Dr. Wanderlino Arruda

DIRETORIA 2020 - 2021

PRESIDENTE DE HONRA Palmyra Santos Oliveira
PRESIDENTE José Franciso Lima de Ornelas
1º VICE - PRESIDENTE Leonardo Alvarez Rodrigues
2º VICE - PRESIDENTE Wanderlino Arruda
1º DIRETOR-SECRETÁRIO Hermildo Rodrigues
2º DIRETOR-SECRETÁRIO Mara Yanmar Narciso Cruz
1º DIRETOR DE FINANÇAS Lázaro Francisco Sena
2º DIRETOR DE FINANÇAS Landulfo Santana Prado Filho
DIRETORA DE PROTOCOLO Dorislene Araújo
Diretor de Comunicação Social Silvana Mameluque Mota
Diretor de Arquivo, Biblioteca e Museu Dário Teixeira Cotrim

CONSELHO CONSULTIVO

Membros Efetivos
Maria de Lourdes Chaves
Teófilo Azevedo Filho
Virgínia Abreu de Paula
Membros Suplentes
Juvenal Caldeira Durães
Gessileia Soares Cangussu
Dorislene Alves Araújo

CONSELHO FISCAL

Membros Efetivos
Carlos Renier Azevedo
André Luiz Lopes Oliveira
Alceu Augusto de Medeiros
Membros Suplentes
Maria do Carmo Veloso Durães
Maria da Glória Caxito Mameluque
João Nunes Figueiredo

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Hermildo Rodrigues
José Ponciano Neto
Abigail Maria Ataíde Marques Dias
Antônio Félix da Silva
Ildeu Soares Caldeira Júnior

COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Eduardo Gomes Pires
José Dirceu Veloso Nogueira
César Henrique Queiroz Porto
Paulo Hermano Soares Ribeiro
Leonardo Alvarez Rodrigues

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA,
ETNOGRAFIA E SOCIOLOGIA

Carlota Eugênia Narciso Soares
Lúcio Roosevelt Guimarães Maldonado
Orozimbo Veloso Prates
Frederico Assis Martins
Eliane Maria Fernandes Ribeiro

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIOS

Dário Teixeira Cotrim
Leonardo Linhares Drumond Machado
Juvenal Caldeira Durães
Zoraide Guerra David
Landulfo Santana Prado Filho

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO E PUBLICAÇÃO

Marilúcia Rodrigues Maia
Sebastião Mendes Neto
Ivana Ferrante Rebello e Almeida
Daniel Tupinambá Lélis
Maria Clara Vieira Lage

COMISSÃO DE VISITA E APOIO

João de Jesus Malveira - Coordenador
Edvaldo Aguiar Fróes
José Ferreira da Silva
Manoel Pereira Fernandes Neto
José Geraldo Soares de Souza

COMISSÃO DE PROMOÇÕES E EVENTOS

Osmar Pereira Oliva
Josecé Alves dos Santos
Teófilo de Azevedo Filho (Téo Azevedo)
Maria de Lourdes Chaves (Lola Chaves)
Augusta Clarice Guimarães Teixeira (Clarice Sarmento)
Mara Yanmar Narciso da Cruz

COMISSÃO DA LITERATURA DE CORDEL

Carlos Renier Azevedo (coordenador)
Teófilo Azevedo Filho
Marcionílio Martins Rocha Filho
João Nunes Figueiredo
Amelina Chaves
Sebastião Abiceu dos Santos Soares


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Edvaldo de Aguiar Fróes Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Leonardo Álvarez Rodrigues Alfredo de Souza Coutinho
03
Waldomiro Alves Santos Antônio Augusto Teixeira
04
Maria do Carmo Veloso Durães Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Dorislene Alves Araújo Antônio Ferreira de Oliveira
06
Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Gesiane Aparecida Medeiros Mota Antônio Jorge
09
Daniel Gonçalves Rocha Antônio Lafetá Rebelo
10
Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Sebastião Abiceu dos Santos Soares Ary Oliveira
12
Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
VAGA Arthur Jardim Castro Gomes
15
Magda Ferreira de Souza Ataliba Machado
16

Gilsa Florisbela Alcântara

Athos Braga
17
Guilherme Silva de Carvalho Auguste de Saint Hillaire
18
Frederico Assis Martins Brasiliano Braz
19
Paulo Hermano Soares Ribeiro Caio Mário Lafetá
20
Felicidade Maria do Patrocínio Oliveira Camilo Prates
21
Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Silvana Mameluque Mota Carlos Gomes da Mota
23

Landulfo Santana Prado Filho

Carlos José Versiani
24
José Ponciano Neto Celestino Soares da Cruz
25

Isabela de Andrade Pena Miranda

Corbiniano R Aquino
26

Orozimbo Veloso P. Cyro dos Anjos

Cyro dos Anjos
27
Eduardo Ferreira Oliveira Dalva Dias de Paula
28

Maria Ruth das Graças Veloso Pinto

Darcy Ribeiro
29

Carlúcio Pereira dos Santos

Demóstenes Rockert
30
Jonice dos Reis P. Dona Tiburtina Dona Tirbutina
31
Augusta Clarice Guimarães Teixeira Dulce Sarmento
32
Carlota Eugenia Martins Soares Edgar Martins Pereira
33
Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35

Hermildo Rodrigues

Ezequiel Pereira
36
Roberto Wilton Garcia Felicidade Perpétua Tupinambá
37
Evaldo Gener de Fátima Francisco Barbosa Cursino
38
Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
José dos Santos Neto Gentil Gonzaga
40
Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
José Geraldo Spares de Souza Geraldo Tito da Silveira
43
Leonardo Linhares  Frota Machado Godofredo Guedes
44
Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Gustavo Mameluque Henrique Oliva Brasil
46
Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Abgail Maria Atayde Marques Dias Hermenegildo Chaves
48
Virgínia Abreu de Paula Hermes Augusto de Paula
49
José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Antônio Félix da Silva Jair Oliveira
51
Osmar Pereira Oliva João Alencar Athayde
52
Maria de Lourdes Chaves João Chaves
53
David Ferreira dos Santos João Batista de Paula
54
José Dirceu Veloso Nogueira João José Alves
55
Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
Marilúcia Rodrigues Maia João Novaes Avelins
58
Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
Márcio Adriano Silva Moraes João Vale Maurício
60
Manoel Messias Oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Ildeu Soares Caldeira Jr. José Alves de Macedo
62
José Jarbas Oliveira Silva José Esteves Rodrigues
63
Carlos Renier Azevedo José Gomes Machado
64
Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Laurindo Mékie Pereira José Gonçalves de Ulhôa
66
Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Marcionílio Martins Rocha Filho José Monteiro Fonseca
68
Benjamim Ribeiro Sobrinho José Nunes Mourão
69
Lúcio Rosevert Magalhão Maldonado José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
José Roberval Pereira José Tomaz Oliveira
71
Manoel Pereira Fernandes Neto Júlio César de Melo Franco
72
Laríssa Paixão Durães Lazinho Pimenta
73
Terezinha de Souza Campos Neves
Lilia Câmara
74
Filomena Alencar Monteiro Prates Luiz Milton Prates
75
Eduardo Gomes Pires Manoel Ambrósio
76
Aparecido Pereira Cardoso Manoel Esteves
77
Maria Denize de Oliveira Barros Mário Ribeiro da Silveira
78
Gilberto Aparecido Soares Medeiros Mário Versiani Veloso
79
Antônio Pereira Santana Mauro de Araújo Moreira
80
Isau Rodrigues Oliveira Miguel Braga
81
Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Josecé Alves dos Santos Nelson Viana
83
Daniel Oliva Tupinambá de Lélis Newton Caetano d’Angelis
84
Ricardo Fernandes Lopes Newton Prates
85
André Luís Lopes Oliveira Armênio Veloso
86
Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Elzita Ladeia Teixeira Pedro Martins de Sant’Anna
88
João de Jesus Malveira Plínio Ribeiro dos Santos
89
José Francisco Lima Ornelas Robson Costa
90
Teófilo Azevedo Filho (Téo) Romeu Barcelos Costa
91
Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Jaime kenji Takei Sebastião Tupinambá
93
Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Gessileia Soares Cangussu Teófilo Ribeiro Filho
95
Carlúcio Gomes Ferreira Terezinha Vasquez
96
Sebastião Mendes Neto Tobias Leal Tupinambá
97
Oneide Ribeiro de Queiroz Torres Urbino Vianna
98
Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
João Nunes Figueiredo Waldemar Versiani dos Anjos
100
Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

 


ASSOCIADOS EMÉRITOS

Amelina Fernandes Chaves
Ana Valda Xavier Vasconcelos
Maria das Dores Antunes Câmara
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro
Milene Antonieta Coutinho Maurício
Petrônio Braz
Waldir Sena Batista

ASSOCIADOS HONORÁRIOS

Alceu Augusto de Medeiros
Alberto Gomes Oliveira
Carlos Henrique Gonçalves Maia
Expedito Veloso Barbosa
Irany Telles de Oliveira Antunes
Itamaury Teles de Oliveira
Girleno Alencar Soares
João Carlos Rodrigues Oliveira
José Antônio Corrêa Mourão
José Catarino Rodrigues
José Emídio de Quadros
Júnia Veloso Rebello
Lorena Álvares da Silva Campos
Luís Ribeiro dos Santos
Monalisa Álvares da Silva Campos
Paulo Roberto Xavier da Rocha
Pedro Ribeiro Neto
Raquel Veloso de Mendonça

ASSOCIADOS CORRESPONDENTES

Adilson Cézar Sorocaba

 SP

Alan José Alcântara Figueiredo Macaúbas

 BA

André Kohene Caetité

 BA

Avay Miranda Brasília

 DF

Carlos Lindemberg Spínola Castro Belo Horizonte

 MG

Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte

 MG

Daniel Antunes Júnior Espinosa

 MG

Dêniston Fernandes Diamantino Januária

 MG

Eustáquio Wagner Guimarães Gomes Belo Horizonte

 MG

Felicíssimo Tiago dos Santos Rio Pardo de Minas

 MG

Fernanda de Oliveira Matos Caetité

 BA

Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte

 MG

Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte

 MG

Helson Jorge
MG

Honorato Ribeiro dos Santos Carinhanha

 BA

Jorge Ponciano Ribeiro Brasília

 DF

José Walter Pires Brumado

 BA

Liacélia Pires Leal Feira de Santana

 BA

Manoel Hygino dos Santos Belo Horizonte

 MG

Maria do Carmo de Oliveira Porteirinha

 MG

Moisés Vieira Neto Várzea da Palma

 MG

Neide Almeida da Cruz Feira de Santana

 BA

Paulo Roberto de Souza Lima São João Del Rei

 MG

Pedro Oliveira Várzea da Palma

 MG

Silio Jader Noronha Brito São Paulo

 SP

Tânia Dias Freitas Santos

MG 

Terezinha Teixeira Santos Guanambi

BA 

Tiago Valeriano Braga
BA

Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte

 MG

Yury Vieira Tupinambá de Lelis Mendes Porto Alegre

 RS

Zanoni Eustáquio Roque Neves Belo Horizonte

 MG

Zélia Patrocínio Oliveira Seixas Aracajú

 SE

Zilda de Souza Brandão (Bim) Belo Horizonte

 MG

 





EPITÁFIO
Para um túmulo de amigo
“A morte vem de manso, em dia incerto e fecha os olhos
dos que têm mais sono...”
(Alphonsus de Guimaraens - ossa mea, I.)



Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

APRESENTAÇÃO

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, com seus dezesseis anos de existência, vem realizando o seu projeto de difusão na publicação de sua Revista Histórica, a cada semestre. Além das informações históricas e geográficas de Montes Claros e do norte de Minas, a revista tem, ainda, o objetivo maior de orientar e promover os seus associados nas pesquisas dos fatos e na formação cultural/histórica de nosso povo, com a publicação de seus textos e a disseminação do conhecimento em geral. Por isso, a seleção cuidadosa dos artigos enviados para o nosso Conselho Editorial e a qualidade na apresentação gráfica da revista, são as nossas principais preocupações na condução deste importante projeto cultural.

Nesta edição, de número 29, apresentamos e publicamos os textos dos seguintes associados: Aparecido Pereira Cardoso, Dário Teixeira Cotrim, David Ferreira dos Santos, Eduardo Ferreira Oliveira, Felicidade Patrocínio, Gustavo Mameluque, Hermildo Rodrigues, Ivana Ferrante Rebello e Almeida, Jaime Kenji Takei, João Nunes Figueiredo, José Geraldo Soares de Souza, José Jarbas Oliveira Silva, José Ponciano Neto, Laurindo Mékie Pereira, Manoel Messias Oliveira, Mara Narciso, Maria da Glória Caxito Mameluque, Maria Inês Silveira Carlos, Terezinha de Souza Campos Neves e Wanderlino Arruda. Na segunda parte da revista, os textos dos nossos associados correspondentes: Tiago Valeriano Braga (Jacaraci – BA) e Zélia Patrocínio Oliveira Seixas (Aracajú – SE).

É preciso saber entender que, desde o início, a participação dos nossos associados é decisiva para a realização deste avultoso projeto instrutivo. Portanto, prezado associado, visite o nosso Instituto Histórico e Geográfico, adquire o seu exemplar e faça uma boa leitura. Um amplexo! Dário Teixeira Cotrim Diretor de Arquivo, Biblioteca e Museu


 

MAURO CÉSAR SALES CORDEIRO

Mauro César Sales Cordeiro nasceu em Ibiaí aos 25 de março de 1963, poucos dias após a posse do primeiro prefeito, Ranulfo Macedo. Filho da Professora Lídia de Sales Cordeiro e do comerciante Gerolino Avelino Cordeiro, cursou o primeiro grau (Ensino Fundamental) no Grupo Escolar “Coronel Aristides Batista” e o segundo grau (Ensino Médio), no Colégio Biotécnico, em Montes Claros. De volta a Ibiaí, foi funcionário na Valcar Engenharia Ltda e no Banco Nacional (extinto em 1995), professor de Educação Física na Escola Estadual Coronel Aristides Batista e servidor efetivo da Prefeitura Municipal. Casou-se com Maria Aparecida Santos Cordeiro em 1983. Filhos: Maura Lidiane, Alysson, Wendell, Álvaro e Murially.

Lançado à política partidária por intermédio do tio, o sr. Temístocles Avelino Cordeiro, concorreu ao cargo de prefeito nas eleições municipais de 1996 pelo PRP, mas não obteve êxito. No pleito seguinte, em 2000, candidatou-se novamente (PHS), obtendo fragorosa vitória com 67,7% dos votos. Na disputa de 2004, foi reeleito pelo PP com 1437 votos (35,6%). Durante os oito anos de gestão omunicípio passou por melhorias consideráveis.

No setor educacional o acesso ao ensino superior foi garantido através do convênio que possibilitou a implantação de um polo avançado da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes (curso Normal Superior). Além disso, o prefeito prestou auxílio aos ibiaienses que estudavam em outras cidades, em especial Coração Jesus, Várzea da Palma, Pi - rapora, João Pinheiro e Uberlândia, contribuindo significativamente na formação dos quadros do magistério e da saúde do município. O acesso à internet, à época muito restrito, foi democratizado com a instalação do Telecentro, atendendo o público em três turnos. Du - rante sua gestão, os índices de aprendizagem das escolas municipais apresentaram índices de aproveitamento significativos, fato este não verificado nas gestões anteriores, conforme dados do Sistema de Ava - liação da Educação Básica – Saeb (INEP/MEC). No setor cultural, o calendário de festividades (Festa de Setem - bro, Arraiá do Povo, Festa do Boi, eventos tradicionais do distrito de Bom Jesus da Vereda e povoados) foi incrementado e o carnaval de blocos de rua e fanfarra foram resgatados com a fundação da Escola de Samba Unidos de Borda do rio, coordenada por Carmen Ferrei - ra. Foi instituído em 2003 o Conselho Deliberativo do Patrimônio Histórico e Artístico Municipal, com a contratação de técnicos espe - cializados em levantamento dos bens passíveis de preservação e tom - bamento da balsa, medida que tornou possível a sua permanência no município. O incentivo dado à pesquisa em arquivos e bibliotecas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia resultaram na publicação dos primeiros livros sobre a história da cidade (Arraial da Extrema e Vila de Ibiahy). Na saúde, o principal avanço foi a implantação das Unidades Básicas de Saúde (antigo PSF) na cidade, distrito de Bom Jesus da Vereda, povoados e demais áreas da zona rural. O esporte em diversas modalidades recebeu apoio e incentivos com a promoção de campeonatos, aquisição de materiais e uniformes, além da participa - ção em eventos nos municípios próximos. Na infraestrutura, escolas foram reformadas e ampliadas, quadras poliesportivas, pontes e praças foram construídas, ruas foram pavimentadas e campos de futebol passaram por diversos reparos; em suma, verificou-se o aprimoramento das condições físicas dos espaços estudantis.

Além dos feitos de sua gestão brevemente apresentados, Mauro se destacou pelo seu caráter singular, com a sua extrema bondade e generosidade, sempre disposto a doar-se ao outro, independente de questões políticas. Será lembrado não apenas com saudade, mas com gratidão pela sua grandeza e humanidade, com os quais buscou amparar àqueles que sempre o procuravam. “Seja o homem nobre, caridoso e bom. São as únicas coisas que o distinguem dos demais seres” (Johann Goethe).


REMINISCÊNCIAS

Este é um livro de extremo interesse para a coleção do Consórcio Literário do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, nele, além de cuidar de uma tradição familiar, ainda reuniu, o notável contador de causos José Geraldo Soares de Souza, um repositório de informações sobre a sapiência e o conhecimento de seu povo, em tempos pretéritos. O seu livro Reminiscências não é uma obra de ficção, senão uma coletânea de crônicas e contos onde foram registradas as cenas mais significativas do seu tempo de menino. Pois as reminiscências são as imagens do passado que se conservam na memória das pessoas.

Nota-se que seria hoje, agradável a todos os montes-clarenses e particularmente aos mineiros, a oportunidade de conhecer, por um testemunho equânime e verídico, o que se passava na vida dos catrumanos, no tempo em que viveu o autor destas memórias. Pela sua narrativa e pelo grande número de notas que se seguem ao longo das margens das páginas deste livro, bem se vê quão estudiosa miudamente recorreu o autor na construção de sua belíssima obra literária, em informar os fatos que são relatados aqui e quanto ele amava esta terra, para assim interessar-se pelas suas coisas, tantos anos depois dessa memorável viagem ao passado. Tudo aqui parece uma boa prosa da roça, cadenciada pelo forte cheiro do fumo de rolo, que vem caindo no côncavo da mão, para a feitura de um cigarro de palha ou algo assim parecido. Ou, talvez, a mansidão das bestas numa memorável viagem sem fim, sempre numa tonalidade de conversa de rancho e com a inspiração constante dos causos de gente e de lugares. A magia da escrita de José Geraldo retrata ainda a intimidade por onde pervagou até se fixar definitivamente na sua querida cidade de Montes Claros.

Num depoimento dramático, arrancado do fundo de sua alma e do seu coração, o autor nos sensibiliza emotivamente com essas palavras: “Minha mãe estava grávida de minha irmã caçula, não tinha condições psicológica para enfrentar tamanha tragédia – o velório do meu pai – eu e meus irmãos ficamos perdidos, tudo era um mar de tristeza em nossas vidas, não imaginávamos até que ponto aquele acontecimento mexia com a gente, e o que seria do nosso futuro daquele dia em diante”. O leitor pode verificar aqui que o autor não é tão somente um contador de causos, pois ele sabe envolver as pessoas nas suas narrativas, por certo mais dramática e talvez mais sublime. Por um lado, as reminiscências de boas lembranças. Já por outro lado, as lembranças das angústias em que viveu os seus dias de consternação. Poderia ver-se aí o seu ofício de fé como um verdadeiro novelista, contador de causos e contador de estórias!

No foi à toa que no capítulo “O Mundo é dos Loucos” foi registrada a presença de Ferreirinha, um destrambelhado em nossa cidade. Este fato nada tem a ver com a vida do autor, senão as reminiscências dos acontecimentos que se fez notícia para aqui ilustrar os seus causos. José Geraldo pode ser considerado um excelenteoralista, lembrando o saudoso João Valle Maurício e, por que não o ilustre poeta do amor natural dr. Wanderlino Arruda? É importante dizer que a espontaneidade e a despreocupação do narrador fazem de sua obra literária uma autêntica seleção da oralidade dos causos expostos. Curioso é que reunimos o prosador e os seus causos, como que numa alusão implícita, à sua condição de excelente escritor na publicação deste livro.

Portanto, meu caro confrade José Geraldo Soares de Souza, foi para mim e, é-me para sempre, uma honra imensurável, fazer parte de sua obra literária com esta pequena e despretensiosa apresentação. Parabéns e sucesso ad aeternum!


CHICO PRETO

Biografia de Francisco Cardoso (Chico Preto): Médium brasileiro, na linha da Umbanda, Quimbanda e Vodu. Nascido em 03 de outubro de 1935 na cidade de Manga-MG, filho de Pio José Cardoso e Marcionília Cardoso; faleceu precocemente, em 12 de outubro de 1993, na cidade de Montes Claros-MG, dias após completar 60 anos. Chico Preto teve sete irmãos, muitas mulheres e filhos, netos e bisnetos.

Francisco Cardoso tornou-se conhecido, internacionalmente, pela alcunha de “Chico Preto”. Ele fundou o Centro Espírita Estrela do Oriente, também chamado como Terreiro de Umbanda de Chico Preto, em Montes Claros/MG; este centro foi fundado em 20 de abril de 1954. O seu primeiro centro foi na casa de adobe alugada de dona Joaquina Saraiva de Oliveira, mãe de Coquinha e Jaci Soares de Oliveira (Cici), localizada na Rua Santa Efigênia nº 935, Bairro Morrinhos, Montes Claros-MG.

O segundo centro localizado na antiga BR 135, e prolongamento da rua Bonfim, que chegava até na altura do cemitério do Bonfim; depois mudou o nome para Avenida Brasil, hoje Avenida Leonel de Beirão de Jesus, nº 1855 no Bairro Antônio Pimenta; posteriormente foi mudado a sua sede para a Rua Bahia, nº 80 no Bairro Doutor João Alves; hoje essa rua foi rebatizada com o seu nome: Francisco Cardoso, em sua homenagem.

Muita gente acorria até ele, pela sua habilidade e o domínio que lhe dava com o espiritismo, e os resultados dos trabalhos por ele obtidos junto a população local. Muitas vezes, recebia ou incorporava os espíritos, de forma contundente e a transformação era notável em que o seu corpo físico de maneira quem ali presenciava, ficava maravilhado e agradecido pelo que assistia.

Foi assim que sua fama começou a crescer e, ali, atendeu e fez trabalhos para pessoas do mundo inteiro e nomes de expressão no cenário brasileiro, notadamente do meio político. Três de seus filhos de santo, seguiram sua inclinação: Rosa Ferreira dos Santos, sua sucessora; Dílson Rabelo (In Memoriam) possuiu um terreiro em Belo Horizonte no bairro Céu Azul e Maria Luzinete Oliveira (Zete) no Bairro Sagrada Família, na mesma cidade.

Chico Preto, uma lenda viva, faz parte da história de Montes Claros e do norte de Minas, da cultura e da religião Afrodescendente. Com o seu falecimento o centro Espirita Estrela do Oriente deu continuidade com a sua substituta Rosa Ferreira dos Santos, conhecida hoje como mãe Rosa, que mesmo antes dele falecer, ela já estava sendo preparada para substituí-lo, cuidou dele até o dia da sua morte. Hoje o centro Espirita Estrela do Oriente está orquestrado pelo Médium Flávio Gomes (Pássaro Preto), genro de dona Rosa; o sacerdócio tem um tempo de validade, quando a idade chega é necessário passar o cajado.

Chico Preto teve várias esposas, mulheres e filhos, aqui relacionamos algumas como: Miraci mãe de Pio seu primogênito; teve como companheira a senhora Dalina com quem iniciou o primeiro centro, depois foi casado com Maria de Lourdes (Branca) e teve quatro filhos registrados: Milton, M. F, Sebastiana, Francisca e Kátia; Vani a qual teve um contrato de matrimonial, e teve três filhas: Marcionilia, L. C e Karine; Fatima Araújo com quem teve três filhas: Luciene, Sandra, Lucimar; Maria José a qual teve quatro filhos: Maria Aparecida, Liana, Floriano, Edilene, estes estão em processo de reconhecimento de paternidade; Maria Viúva teve uma filha: Sonia, não registrada; e por último Vera com quem teve três filhos que são registrados em seu nome: Francisco Junior, Daiany e Fraciany.

Os filhos de Chico Preto mais conhecidos e considerados os herdeiros até o momento são: Pio, Milton, Sebastiana, Francisca, Katia, Marcionilia, Luciana, Karine, Francisco Junior, Daiany e Fraciany, não foram registrados: Célia (filha Eunice Durães) (In Memoriam), Sonia, e os filhos que entraram com processo de reconhecimento de paternidade: Lucimar, José Cardoso, Floriano, Aparecida, Eliana, Edilene.

Chico Preto como pessoa era uma alma nobre. Várias pessoas chegavam ali no centro endividadas e necessitadas, e ele acudia, levava ao médico, comprava remédios, pagava aluguel, dava comida, tratava bem a todos, e a muitos religiosos de outras casas, católicos, evangélicos, o pessoal da cidade de Manga e Bocaiuva.

Chico Preto, recebeu em seu centro várias personalidades, como: Leonel Beirão de Jesus, proprietário da funerária Socorro Social do Luto, e considerado como irmão; ex-prefeitos da cidade de Montes Claros e região. Recebeu, também, para consultas, os ex-presidentes JK e Tancredo Neves, ex- -governador de Minas, Aureliano Chaves. Conforme entrevista dada por dona Rosa sua sobrinha.

No esporte em Montes Claros, torcia para o Juventus, time de várzea que seu filho Milton era diretor, Chico Preto era torcedor do Atlético Mineiro, e por várias vezes recebeu o Kalil pai, conforme informou o Robson Roger.

Chico Preto foi maçom, recebeu seu diploma direto de Belo Horizonte e de São Paulo, foi também conselheiro desta ordem não revelada, segundo informou sua sobrinha Rosa. Chico Preto profetizou a sua morte; estava ele internado e neste dia pediu para sair do hospital São Lucas e veio ao centro espírita Estrela do Oriente, chamou os seus médiuns emitiu suas ordens aos seus subordinados, e fez a transferência da espiritualidade do centro para sua sobrinha. Segundo relato de dona Maria Preta, que foi sua empregada, segundo ela ele mandou limpar tudo no centro lavar com cachaça, e assim foi feito.

Chico Preto deixou uma fita gravada para sua sobrinha Rosa, que continha o seguinte teor da gravação: “Rosa você é que vai ficar tomando conta desse terreiro, este terreiro é uma continuação, este lote foi uma doação do senhor Rubens, dono da maioria das terras ao redor do Centro. O Centro Espírita Estrela do Oriente, deverá dar continuidade como uma Associação, você é a única da minha família que sabe trabalhar, pois eu nunca formei ou ensinei meus filhos”, conforme relata Rosa em seu depoimento.

Chico Preto faleceu no dia 12 de outubro de 1993, por problemas renais e foi sepultado por no dia 13 às por volta das 15 horas no cemitério do Bonfim; ele era devoto de Nossa Senhora Aparecida. O seu enterro foi numa tarde ensolarada, uma multidão de pessoas, não vista outra igual. O seu cortejo deu da seguinte forma: em cada esquina tinha um ogã (tamborista), seus discípulos todos a caráter de um filho de santo, dançando e cantando, seguindo o ritual até o cemitério do Bonfim, onde ele foi enterrado, na cidade de Montes Claros-MG.

No seu enterro, durante o seu sepultamento houve um discurso feito por José Maria Padre: Disse em Montes Claros não teria homem como o velho Chico, de coração bom que matou fome de muitas e muitas pessoas.

Um fato interessante é que Chico Preto conhecia os seus subordinados ele percebia quando estavam moribundos e logo já revelava o problema da pessoa; depois das seções no final de cada trabalho no centro espírita, ele sempre despedia o seu povo dizendo: Deus te faça feliz.

Nos dias de hoje corre uma falácia, que Chico Preto morria e ressuscitava na quaresma e que o seu bode de nome Ze Bedeu que dançava com a capa preta, entre os médiuns no escuro e não trombava em ninguém e nem derrubava as garrafas no chão, velas e copos; fazia peripécias na cidade e nos armazéns onde passava, comia milho, arroz etc, se tornando famoso quanto ao seu Chico, sem contar as pessoas que ele corria atrás para chifrar, o bode era temido.

COMO TUDO COMEÇOU

Oriundo da cidade de Manga-MG, Francisco Cardoso, Chico Preto de tez escura, recebeu esta alcunha por dona Joaquina, mulher que alugara uma casa aonde começou o seu primeiro Centro Espírita, Chico Preto teve uma infância muito difícil, segundo relatos de seus familiares. Dona Marcionilia sua mãe dizia que Chico quando criança, contornava e dava um ataque mais feio e sentia dores no corpo; então ela fez a promessa que o Senhor bom Jesus o curasse, seria devoto de Nossa Senhora Aparecida, e assim aconteceu o menino foi curado, foi tão devoto que comemorava sempre o dia de Senhora Aparecida, e que no dia da santa ele faleceu, coisas que as pessoas atribuem a mediunidade.

Chico Preto ainda quando criança morou com sua irmã Augusta e Terto seu cunhado por um bom período, no bairro Alto Boa Vista na cidade de Manga, ele não frequentou o estudo formal, sendo assim autodidata, na sua juventude, ele e seus irmãos: Floriano e Adalberto, foram para São Paulo e trabalharam na Fazenda Santa Maria, os dois irmãos permaneceram por lá, Chico Preto ganhou dinheiro retornou para Montes Claros-MG.

Chico preto foi contemporâneo e trabalhou com o senhor candomblecista Terezino na Vila Guilhermina, o qual recebeu muito apoio. O seu primeiro centro foi na casa de adobe alugada na mão de dona Joaquina Saraiva de Oliveira mãe de Cici, localizada na Rua Santa Efigênia nº 935, bairro Morrinhos, Montes Claros-MG. Esta casa tinha quatro cômodos foi dividida dois cômodos para ele; neste centro não tinha placa, não tinha nome, era conhecido como centro de Chico Preto.

Segundo relatou o seu Cici ele chegou aqui da Bahia a setenta anos atrás, com uma senhora chamada dona Dalina; o seu primeiro trabalho, foi braçal de chapa, na rua Lafaiete no centro da cidade, próximo à estação ferroviária de Montes Claros-MG,

Trabalhou para o senhor Altamiro Parrela, que na época tinha um caso com dona Geralda mãe de santo e ambos eram espíritas e muito respeitados na quimbanda; Altamiro era empresário proprietário da Cerâmica no Bairro Maracanã e possuía um Centro Espirita neste mesmo bairro; Chico Preto trabalhava para ele. Lembro que nesta época quando eles foram a uma festa, Chico Preto era muito pobre e não tinha sapato para calçar e aí acharam um sapato no lixo, pé de um e pé de outro e Chico Preto calçou e foi a festa neste centro, assim relata Loloza no seu depoimento.

Nesse trabalho formal Chico Preto descarregava caminhão de verduras, frutas e outras coisas mais, todo dia de manhã ele levantava e ia para o trabalho, quando era a tarde no seu retorno, trazia as sobras das frutas e verduras que ganhava, dona Dalina sua mulher, e dona Joaquina selecionava as melhores para alimentar.

Dona Dalina na época morava com ele nesta casa alugada, depois ela voltou para Januária, e lá morreu afogada, quando foi lavar vasilha no Rio Francisco; conforme relatou Rosa sobrinha de Chico Preto.

Chico Preto ainda muito jovem ficava rodando por aí pelo centro da cidade de Montes Claros. Na época Chico Preto namorou uma menina chamada Branca, que ainda de menor, fugiram para Bocaiuva e depois para outra cidade adiante com ela. Branca muito bonita, e de cor clara chamava atenção daquele jovem cheio de vida e de virtude, ela era filha de gente simples mais importante na cidade de Montes Claros-MG, família de situação equilibrada; ai o povo botou em cima, e a polícia foi atrás, pegaram os dois e trouxeram para Montes Claros-MG, e realizaram o casamento, naquela época, falava que a pessoa casou na polícia, por ter tirado a moça de casa. Agora casados foram morar na rua Beira da linha, próximo a ponte preta no Bairro Morrinhos, nesta época não tinham nada.

Chico Preto viajava por estas cidades vizinhas todas, trabalhando para ganhar dinheiro, para pagar o lote do segundo terreiro, localizado próximo a antiga barroca, comprou este lote na mão do senhor Napoleão, que na última prestação seu Napoleão não queria mais vender, Chico Preto ficou nervoso, pegou ele pelo pescoço e ele recuou. O terceiro terreiro foi doado por seu Rubens que era dono da maioria das terras ao arredor, Bairro Dr. João Alves, conforme relata Rosa.

Chico Preto tinha uma cachorra chamada Serea, tinha um gato preto chamado Gira-mundo que era o Exu dele, tinha os Bodes Zé Bedeu e Pedro Bó; e o Carneiro Nero.

Chico Preto era Maçon, ele tinha o diploma Imperador dos maçônicos e a bandeira da maçonaria; criou a Associação dos Umbandistas, no ano de 1983 e ele foi primeiro presidente dos umbandistas, esta Associação está localizada na rua Pedra Azul, nº 38, Antônio Pimenta, Montes Claros-MG, hoje está inoperante.

Chicão teve várias mulheres: a primeira aqui na cidade foi dona Dalina, a segunda foi dona Tereza, terceira foi dona Maria costureira, a quarta foi branca, a quinta Vani, depois veio outras várias mulheres que iremos discorrermos sobre elas. Segundo relato de dona Maria Cândida Silvério (Maria Preta), empregada de Chicão na época.

Chico Preto chegando aqui na Vila Telma, começou a realizar os seus trabalhos inicialmente na barroca, depois passou para o centro de baixo, construído com muita dificuldade por ele, este centro ficou conhecido como terreirinho, que era localizado no bairro Antônio Pimenta, que ficava entre a pedreira e o cemitério do Bonfim. A posteriori passaram para o terreiro de cima conhecido como terreiro novo Estrela do Oriente, terreno que foi doado, na época era feitos leilões para construção, o povo levava oferta de leilão e assim muitas obras eram realizadas.

Outrora o velho Pio e dona Marcionilia e 08 filhos gerados na Manga-MG, norte de Minas, terra que sempre exaltou e marcou nossa ancestralidade, o peão, o caboclo, os escravos... Aprendemos cantar, lições de vida e religiosidade, os abraços de alegria o choro em todas as despedidas, lágrimas pensando n retorno ou talvez em não encontra-lo... calor humano, desses que o cheiro nos acompanhada por onde quer que andemos. Vá ao encontro d seus pais, seus irmãos: Leocádio, Zequinha, Floriano, Francisco, Augusta, Emília, Inocência... Nós aqui ficamos com o rosto coberto de prantos, um tanto mais sozinho pois perdemos nosso esteio. Autora: Eliana Cardoso

A figura diabólica de Chico Preto surgiu quando assassinaram seu filho de criação, seu poder surgiu aí. Na época, um policial chamado Elias, foi até o bar de Chico Preto à noite, que, na época, tinha um comércio, na rua correia Machado nº 23, Bairro Morrinhos em Montes Claros-MG. Ele queria matar Chico, mas como não o encontrou no bar, discutiu e atirou em Joaquim, que era seu filho de criação. Joaquim, foi levado ao hospital com vida, vindo a falecer à noite do mesmo dia, o soldado fugiu com o Jeep em direção a fazenda de João Canela, bateu na cancela e entrou em sua casa, pediu para seu João Canela esconde-lo, porque tinha atirado no filho de Chico Preto, e João Canela não o escondeu, ai ele saiu desesperado, pegou o carro desceu na estrada velha de carreira e capotou o veículo e caiu no córrego e morreu, foi encontrado morto depois de três dias, em estado de decomposição, foi necessário preparar um caixão para o seu sepultamento, segundo o depoimento de Isac filho de dona Raquel.

Nessa época choveu tanto que deu três enchentes, Joaquim foi enterrado e o soldado morreu na mesma noite, só foi achado três dias depois, seu chico Preto invocou o Zé do Toco escora dele e o soldado morreu, conforme o depoimento de Isac e Carinhanha, que eram ogã de seu Chico, eles relatam ainda que Chicão colocou a capa preta e disse: hoje vamos fazer um trabalho pesado, este trabalho foi feito na cascalheira do Bairro Maracanã, o bode Zé Bedeu estava presente e o ritual foi feito, e o militar morreu. Quando Chico Preto falava, aos ogãs: fala coro, os tambores soavam, a gira da umbanda rodava para a direita e a quimbanda rodava para esquerda e os espíritos baixavam e chegavam ao ápice do rito.

Chico Preto tinha uma garganta de ouro, cantava estridente, dava oportunidade os médiuns e os ogãs, quando ele gritava: fala couro, os tambores rufavam e os médiuns cantavam em sintonia.

Chico Preto se tornou um exímio flecheiro, um atirador de elite, um soldado experiente e um sacerdote do terreiro, ele sabia a hora de lutar e a ora de parar.

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas...

Sua fama se espalhou pela cidade, circunvizinhança e Brasil afora, daí em diante começaram a vir pessoas de todas as regiões procurá-lo para fazerem trabalhos espirituais com ele.

Chico Preto tem um primo ainda vivo com 96 anos de idade o senhor Gilberto Ferreira de Souza nascido em 20 de março de 1926 em Bom Jesus da Lapa, filho de Florentino Ferreira de Souza e Angelina Maria de Jesus; residente em Manga-MG, hoje ainda lúcido em pleno vigor, um arquivo vivo.

Chico Preto não fez muitos discípulos, tinha uma bagagem enorme de conhecimento, foi ferido pelo tempo, a saúde o debilitou, seus diplomas e troféus foram baixados ao sheol, ninguém nunca escreveu sobre os feitos de Chico Preto, seus feitos e mitos, foram passados oralmente.


CAPITÃO MIGUEL DOMINGUES

Aparentemente, há poucas informações sobre os primeiros ha - bitantes da região da atual cidade de Montes Claros, norte de Minas Gerais. Essa imprecisão gerou diversos debates entre os historiadores, especialmente na metade do século XX, que buscavam precisar os acontecimentos da formação local.

O primeiro tema debatido gira em torno de saber qual o pri - meiro grupo se fixou na região. Especificamente, é questionado se os pioneiros eram os baianos ou paulistas, aqueles vindos do norte descendo o Rio São Francisco, e estes vindos do sul em expedições na busca por ouro e diamantes. Não trataremos aqui dessa discussão, pois parece estar superada pelos estudiosos mais eruditos no assunto. Nas palavras da historiadora Carla Anastasia: embora a proximidade com a Bahia possa sugerir um povoamento derivado das regiões baianas e pernambucanas, as evidências documentais nos permitem afirmar que toda a área (do norte e do noroeste da capitania das Minas Gerais) foi originalmente povoada pelos paulistas aos quais se deveu também sua dinamização. (ANASTASIA. 2012, p. 77)

A conclusão se torna ainda mais consistente após o vigoroso exame de documentos, realizado nos últimos anos, e consolidado na obra de Márcio Santos: “Bandeirantes Paulistas no Sertão do São Francisco – Povoamento e expansão pecuária de 1688 a 1734”. Nesse livro, Santos explica que o povoamento da região foi feito inicialmente pelos paulistas, que se fixaram com o objetivo de estabelecer comércio e criação de gado.

No entanto, se parece claro que foram os paulistas povoadores da região, resta saber quais deles chegaram primeiro. A controvérsia tem início quando diversos escritores dizem que, em 1698, o capitão Miguel Domingues e um grupo de paulistas descobriram Itacambira, onde se demoraram algum tempo. Atacados por uma bandeira dos chamados “papudos”, mamelucos, retiraram-se em grande parte para outra região, dando início à povoação que se tornaria Montes Claros.

Ocorre que essa narrativa não é aceita por todos os estudiosos do tema. Há dúvida até mesmo sobre a existência do Miguel Domingues e se tais relatos aconteceram. Portanto, a historiografia se divide em duas correntes: A primeira chamada “Corrente Adepta”, que defende a existência do Capitão Miguel Domingues e o conflito com os Papudos pelo domínio de Itacambira. A segunda damos o nome de “Corrente Avessa”, que nega, completa ou parcialmente, a existência desse líder paulista e tais acontecimentos. Para compreender a discussão, é necessário apontar os principais argumentos e citações das duas correntes, bem como evidenciar e comparar os documentos da época. Sendo assim, a seguir apresentamos as fontes basilares com o objetivo de tornar clara a discussão e facilitar uma resposta concreta.

Pizarro: a primeira fonte e a sua crítica

Do conjunto de informações recolhidas, sabemos que Itacambira, como povoação, teve seu princípio no final do século XVII e início do século XVIII, sendo anterior a Montes Claros, que se formou arraial a partir de 1769. Sendo assim, os primeiros moradore de Montes Claros vieram em grande parte de Itacambira, Vila do Príncipe, Diamantina, Minas Novas e outros lugares.

Tais informações poderiam confirmar o relato sobre o Capitão Miguel Domingues. Contudo, até o momento, não foram encontrados documentos que fizessem menção a ele. Não há registros ou referências diretas ou indiretas. Isso poderia gerar dúvida sobre a existência de tal capitão.

Diante disso, o que se pode entender é que essa história tenha sido transmitida oralmente no século XVIII até ser anotada no início do século XIX. A primeira menção é encontrada em um dos tomos, publicados em 1820-1822, pelo Monsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro e Araújo, com o título Memorias Historicas do Rio de Janeiro e das provincias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. Conforme pode ser lido a seguir: De Santo Antonio de Itacambira. Descoberto no anno 1698 por vários Paulistas, conduzidos pelo Capitão Miguel Domingues, o districto de Itucambira, e passando à elle, no anno seguinte, outra Bandeira de indivíduos semelhantes, chamados Papudos, na concurrencia de ambos foi mui fácil o ataque sobre tal descobrimento, cujas alteraçoens duraram vários anos, atéque conseguiram os últimos expellir os primeiros, e se fazererem Senhores do Paiz. No anno de 1707 foram manifestadas as Minas deste districto ao Governador e Capitão General da Bahia Luiz Cezar de Menzes, achando-se os Mineiros dispostos pelas margens dos ribeiros, que, congregados depois, levantaram no plano de um espigão uma Capella, dedicando-a à Santo Antonio, e ahi assentaram o seu Arraial com povoação avultada, até se descobrirem as Minas Novas, para onde passou a maior parte dos seus habitantes; mas não permanecedo nelas, regressou ao antigo estabelecimento dentro de poucos anos, que foi novamente povoado. Então se erigiu a Capella em Parochia. (PIZARRO E ARAÚJO. 1822, p. 179)

A relação com Montes Claros vem no trecho seguinte quando trata da capela do “Arraial de S. Jozé das Formigas”, antigo nome do povoado que anos mais tarde se tornou a cidade de Montes Claros. Conforme escreveu: Conta por Filiaes as Capellas do Senhor do Bom-fim, no Arraial do mesmo nome, distante 13 legoas, cujos Applicados chegam à mais de 2U; a da Conceição, no Arraial de S. Jozé das Formigas, distante 14 legoas, cuja Applicação monta à mais de 3U pessoas de Communhão, em quase, ou mais de 300 Fogos, por ser o Arraial de grande comercio, e seu território aprasivel, fértil e ameno; (PIZARRO E ARAÚJO. 1822, p. 180)

Na metade do século XIX, os primeiros pesquisadores que tiveram acesso a documentos começaram a criticar os escritos de Pizarro. “Esta obra, diz o Sor. cons. Pereira da Silva, é escripta sem systema, e sem estylo: pecca por obscuridade de plano, por deconnexão de factos, por confusão de datas e de epochas historicas.” (CABRAL, 1881, p. 178)

No livro de Pizarro foi encontrado uma série de inconsistências e erros, a ponto de Francisco de Adolfo Varnhagen se tornar um forte crítico dizendo ser uma obra confusa, difusa e obtusa. Em sua inovadora obra intitulada Historia Geral do Brazil, o historiador Varnhagen deixou clara sua opinião:

Dos nove volumes de monsenhor Pizarro fazemos menção para não parecermos omissos; pois preferíramos calar que o autor, valendo-se alias dos trabalhos dos conegos Henrique Moreira de Carvalho, José Joaquim Pinheiro, e José de Souza Marmello, produziu uma obra confusa, difusa e até as vezes obtusa. (VARNHAGEN. 1857, p. 349)

Assim, Varnhagen levantou acusação de que Pizarro não foi original em seus escritos, tendo aproveitado de outros textos e isso gerou uma série de erros. Recentemente, ao tratar sobre a historiografia brasileira, Francisco Iglésias explica a crítica de Varnhagen ao trabalho de Pizarro e Araújo: Pizarro e Araújo, eclesiástico dedicado à pesquisa, escreveu e editou em nove tomos as Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil, em 1820-22. Era carioca. Conheceu documentos e aproveitou-os, mas não tinha noção do conjunto, não sabia explorá-los. Não é original nem consistente, mas deixou obra útil, de consulta ainda hoje. Varnhagen foi severo demais em seu julgamento a Pizarro e Araújo, a ponto de desejar omiti-lo, o que felizmente não fez. Acusa-o de ter-se aproveitado do trabalho de outros, produzindo “uma obra confusa, difusa e às vezes até obtusa”. É correto ao criticar o escrito por falta de ordem e consistência – o que poderia dizer de todos ou quase todos os outros cronistas do gênero. O certo, porém, apesar do juízo extremado de Varnhagen, é que Pizarro forma entre os melhores autores daquela linha de trabalho. (IGLÉSIAS. 2000, p.52)

Mesmo com as duras críticas, o trabalho de Pizarro permaneceu durante todo o século XIX como a única fonte conhecida que esclarecia a origem de Itacambira e Montes Claros. A seguir trataremos dessa recepção ao longo do tempo.

O papel do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

Pouco tempo depois da publicação dos livros de Pizarro, o Brasil se tornou independente de Portugal. E assim surgiu uma nova forma de se pensar a história brasileira. Um grupo de intelectuais acolheram a ideia do cônego Januário da Cunha Barbosa e Raimundo José da Cunha Matos, para a criação de uma associação que tivesse como objetivo escrever a história e geografia do Brasil. Assim surgiu em 1838 o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

Esses mencionados fundadores do IHGB tiveram contato com a obra de Pizarro. O Cônego Januário da Cunha Barbosa, ao realizar estudos sobre o Brasil teceu elogios e recomendou os livros, conforme pode ser lido: [Pizarro] Foi um ecclesiastico respeitavel, diz o conego Januario da Cunha Barbosa, um juiz integro, um escriptor severo, que tirou do esquecimento e da desordem dos nossos archivos suas Memorias historicas, em que vive o seu nome para gloria dos Brazileiros. (CABRAL.1881, p. 178)

Raimundo José da Cunha Matos não se contentou em apenas elogiar Pizarro, mas fez uso da obra em seu livro Corografia histórica da Província de Minas Gerais, publicado em 1837. Esse escrito foi um dos primeiros trabalhos sobre a história de Minas Gerais, e por isso passou a ser referência nos trabalhos posteriores. O trecho que trata sobre Miguel Domingues replica as informações de Pizarro, conforme pode ser lido: Itacambira. Arraial situado na margem direita do rio deste nome, ramo do Jequitinhonha. Este terreno, que é muito áspero, cheio de serranias e cortado de rios caudalosos, foi explorado no ano de 1698, pelo Capitão Miguel Domingues, com uma bandeira de paulistas. E entrando ali outra no ano seguinte, a que chamaram a dos Papudos por haverem nela alguns homens com papos (ou broncoceles), travaram-se de razões e delas passaram a fazer uso das armas, de maneira que, decidindo a sorte a favor dos papudos, foram expulsos os primeiros ocupantes. O ouro deste lugar foi manifestado ao governador da Bahia, Luis Cesar de Meneses, no ano de 1707. Tem igreja paroquial e 39 fogos. Há nestes terrenos muitos diamantes e outras pedras preciosas. (MATOS.1981, p.194)

O prestígio dos fundadores do IHGB, bem como a ausência de uma pesquisa documental apurada, levou os autores posteriores a se limitarem a replicar as informações dadas por Pizarro. Foi assim que vários almanaques, anuários, dicionários e enciclopédias passaram a imprimir a narrativa sobre Miguel Domingues como sendo a oficialmente adotada.

Nesse cenário, encontramos o Diccionario Geographico, Historico e descriptivo, do Imperio do Brazil publicado em 1845, por J.O.R. Milliet de Saint-Adolphe. No tópico em que trata sobre Formigas (atual Montes Claros), diz que “Teve origem em 1698 pelo mesmo teor que a povoação de Itucambira” (SAINT-ADOLPHE, 1845, p. 369). Quando trata sobre Itacambira, Saint-Adolphe reproduziu as mesmas informações de Pizarro e Araújo:

Itucambira. Freguezia da provincia de Minas-Geraes, 22 legoas ao noroeste da cidade de Minas-Novas, 90 pouco mais ou menos ao nornordeste da cidade d’Ouro-Preto, e 12 ao norte da Villa de Formigas. Teve principio esta povoação em 1698, tempo em que uma bandeira de Paulistas commandada por Miguel Domingos, entranhando-se nas matas, se estabeleceo entre as montanhas escabrosas que jazem ao sul do rio Itucambira. Os companheiros de Miguel Domingos forão expulsos d’aquelle sitio por outros Paulistas, a que os primeiros poserão o nome de Papudos. No cabo de muitos annos de continuas rixas, ficando os Papudos senhores das minas que só forão conhecidas do governo em 1707, edificarão uma igreja da invocação de Santo Antonio, que não teve o titulo de parochia senão passados trinta annos. O termo da freguezia de Itucambira, que dizem ser de 40 legoas de comprido, e quasi outro tanto de largura, encerra tão sómente uma população de 8,000 habitantes mineiros e criadores de gado. (SAINT-ADOLPHE. 1845, p. 505).

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Até o final do século XIX não existiu um interesse profundo dos intelectuais em pesquisar a origem de Itacambira e Montes Claros. Em grande parte, por ser uma região considerada distante e com uma economia menos dinâmica. Além disso, existia uma dificuldade de acesso a documentos, característica do período, pois havia poucas instituições dedicadas ao estudo da história do Brasil, e estas estavam concentradas no Rio de Janeiro e São Paulo. Assim, diante da falta de pesquisas as reproduções de Pizarro continuaram. Em 1885, no jornal “Correio do Norte”, foi publicado o primeiro tratado sobre a história de Montes Claros, escrito pelo renomado desembargador Antônio Augusto Veloso (1856-1924). O texto simples e objetivo apresenta informações gerais sobre o município, tendo logo no início a explicação sobre sua origem:

Não existem dados exactos pelos quaes se possa precisar a época em que para este logar vieram estabelecer-se os primeiros moradores pela maior parte oriundos do visinho povoado de Itacambira; mas é de presumir-se que este facto se dera depois do anno de 1707 quando, das minas de ouro daquele sitio, foram expulsos os companheiros do sertanista Miguel Domingos, pelos que eles appelidaram Papudos. Os Paulistas da bandeira vencida e outros aventureiros que a eles se tinham reunido, descoroçoa-dos, após repetidas luctas e tentativas baldadas para recuperarem a posse do território aurífero, dispersaram-se em diversas direcções, à pesquisa de nova fortuna, embrenhando-se pelas serras que se ramificam da cordilheira de Itacambira, e seguindo o curso dos córregos e mattos adjacentes. Desta sorte foi que alguns daquelles valentes exploradores, atravessndo o Rio verde e a extensão de terras então inhabitadas, vieram ter, casualmente, à Fazenda dos Montes Claros, duas leguas a nordeste desta localidade. (VELLOSO. 2017, p. 38)

Como dito acima, mesmo com a carência de documentos sobre esse relato, o livro de Pizarro é considerado a primeira fonte sobre o tema. E é com base nele que os outros escritores reproduziram a mesma narrativa ao longo do século XIX.

O papel do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG)

No início do século XX as pesquisas em torno dos documentos se tornaram mais analíticas e aprofundadas. E assim, os trabalhos acrescentavam na historiografia fundamental, como foi o caso do livro História Antiga de Minas Gerais publicado em 1904 pelo historiador Diogo de Vasconcellos. Embora tenha se tornado um livro clássico na historiografia mineira, tal livro não menciona com clareza as origens de Itacambira e Montes Claros, senão por uma breve referência: em 1704 se achou a famigerada Itacambira dos bandeirantes de Fernão Dias. Já então a colonia de Montes Claros fundada por Antonio Gonçalves Figueira florescia em fazendas de criar e se ligava pelo Gorutuba aos curraes da Bahia (VASCONCELLOS. 1904, p.126).

A publicação de Vasconcellos foi importante para que se formassem grupos de estudiosos sobre Minas Gerais. Então, em 18 de julho de 1907 foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Essa associação buscava seguir o mesmo modelo do IHGB, visando publicar e fomentar estudos sobre a história e geografia do Estado mineiro.

Contando com novas pesquisas, em 1918, Diogo de Vasconcellos publicou novo livro intitulado História Média de Minas Gerais. Nessa obra, o historiador se preocupou com outras regiões do Estado que não havia explorado nos escritos anteriores. Tomando como base o IHGB, reproduziu a narrativa sobre Miguel Domingues, conforme pode ser lido:

Effectivamente, no mesmo anno justo em que se descobriu o Ouro Preto, 1698, o Capitão Miguel Domingues, aventureiro também paulista, atrahido sem duvida pelo sonho ainda quente das esmeraldas, enveredando-se no mesmo roteiro de Fernão Dias, foi ter á serra da Itacambira, districto famoso das tão procuradas riquezas. O arraial fundado por Fernão Dias, em guarda da mysteriosa Vapabuçú, berço do fantástico thesouro, teria continuado no silencio das brenhas, si estes novos pioneiros não o despertassem de tão profundo lethargo. Repisando corregos, revolvendo cascalhos, não lograram estes sertanistas por certo o seu objectivo; mas cousa igual, senão melhor, acharam nos fartos lençoes de ouro que a serra tinha depositado no alveo dos ribeiros e chão das florestas. Jubiloso do achado, o Cap.m Domingues e seus companheiros lavraram em silencio, e ás occultas, aquelles descobertos, quando foram assaltados por um bando de mestiços denominados Papudos, semi-barbaros, provenientes do Rio de Contas, e por estes intimados a darem de mão os serviços, sob pretexto de ser aquelle districto pertencente á Bahia, e não aos paulistas. Vencido e expulso, o Capitão Domingues retirou-sè para outros ribeiros igualmente ferteis da zona; e os bahianos, vendo que havia espaço para todos, em breve, e por effeito da vizinhança, procuraram viver em paz. Congraçandose d’ahi em diante, os dous grupos, como penhor de amizade, assentaram de fundar no alto da serra uma nova capella em honra de Santo Antonio do Bom Retiro. Era este o Santo pacificador por excellencia e o mais invocado nas attribulações d’aquelles tempos, em lembrança do bom retiro em que se achou, vendo apparecer-lhe a sorrir o Menino, de pé sobre um livro, em quanto meditava. Construida que foi a Capela, não tardou em cercar-se de casas; e este novo arraial acabou por aborrecer o antigo e, por augmentar-se alliciando aventureiros de longe e indigenas das proximidades, com os quaes a lavagem do ouro, teve maior impulso o grande extensão. (VASCONCELLOS. 1918, p. 41-42)

Com o objetivo de romancear a narrativa de Miguel Domingues, Vasconcelos usou eufemismos e adjetivos em seu texto, embora as informações básicas fossem as mesmas originalmente expressas por Pizarro. O diferencial em Vasconcelos está na sentença “um bando de mestiços denominados Papudos, semi-barbaros, provenientes do Rio de Contas”, pois em Pizarro ambos os grupos em conflito eram paulistas. Temos aqui, portanto, uma modificação do primeiro relato e que alguns historiadores posteriormente reproduziram.

Em 1940, acompanhando a mesma tendência, Francisco de Assis Carvalho Franco reproduz as mesmas informações de Diogo de Vasconcelos, até quanto a alteração da origem dos “papudos”, que antes eram paulistas e agora se tornaram “mestiços baianos”. Conforme escreveu:

O descobrimento do sertão do rio Pardo, foi feito por Antonio Luiz dos Passos, mais tarde um dos descobridores das Minas Novas e o districto de Itacambira foi explorado por uma bandeira paulista de que era cabo Miguel Domingues, o qual teve que se retirar desse sertão devido ao encontro dos mestiços então denominados “papudos”. (FRANCO. 1940. p. 175)

Em 1954, Carvalho Franco apresenta novo trabalho chamado Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. Nessa obra são listados todos os paulistas conhecidos na historiografia, junto com informações resumidas. O autor se limitou novamente a repetir as informações de Diogo de Vasconcelos:

Sertanista de São Paulo que, ainda empolgado pelo sonho das esmeraldas, saiu em 1698 de Ouro-Preto, nas Minas-Gerais, e foi ter a Itacambira, onde encontrou álveos aurinos. Foi no entanto logo atacado por bandos dos denominados “papudos”, mestiços baianos e teve que ceder o terreno, indo fundar arraiais mais adiante, um dos quais tomou o nome de Montes-Claros (Diogo de Vasconcelos – Hist. Média das Minas, cit. 41-42). (FRANCO. 1954, p. 138)

E ainda, em 1961, Mario Leite em seu livro Paulistas e Mineiro Plantadores de cidades continua reproduzindo a mesma narrativa: “A desenvolvida e aprazível localidade do norte tem a sua origem ligada a atuação dos sertanistas Miguel Domingues, que deixara as suas lavras de Ouro Preto e Antônio Gonçalves Figueira que abriu um caminho, nessas paragens, desde o ribeirão dos Vieiras até o rio S. Francisco”. (LEITE. 1961, p. 138)

O papel do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros (IHGMC)

Anterior à segunda publicação de Vasconcelos, em 1916, o historiador Urbino de Sousa Viana realizou trabalho diligente com documentos e publicou o livro Monographia do Município de Montes Claros – breves apontamentos históricos, geographicos e descriptivos. Esse foi o primeiro livro que tratou sobre a história de Montes Claros desde o século XVIII até sua época. No livro tratou brevemente sobre Miguel Domingues, após referência ao que Antônio Augusto Veloso escreveu, apresentou sua conclusão:

Aceitamos a presunção de que esses indivíduos viessem augmentar o numero dos colonizadores, constituindo mesmo agrupamento mais densos, origem dos povoados que, depois, se formaram. Desde que ficou conhecida a parte saliente tomada por Antonio Gonçalves Figueira no povoamento deste trecho de território conhecido por cabeceiras do Rio Verde, cabe-lhe, de direito, a honra da precedência, vindo em seguida os Capitães Pedro Nunes de Serqueira e Manoel Affonso de Siqueira e João Gonçalves Filgueiras e outros, que obtiveram sesmarias de uma legua de largo e tres de comprido, todas concedidas em Alvarás de 12 de abril de 1707. (VIANA. 1916, p.41-42)

Fazendo sempre referência a documentos e fontes mais confiáveis, dentro do possível da época, Urbino Viana elucidou diversos tópicos relevantes da história local. Mas não conseguiu ir muito além quanto aos primeiros povoadores da região. Observou que Antônio Gonçalves Figueira teria sido o primeiro a chegar e teria a “honra da precedência”, tendo os homens de Miguel Domingues acrescentado ao povoamento após o ano de 1707, época que os irmãos de Figueira receberam também sesmarias. Em 1935, Urbino Viana lembra em seu livro Bandeiras e Sertanistas Bahianos que os homens de Miguel Domingues vieram para a região de Montes Claros:

Houve, no fim do primeiro decenio de 1700, uma dispersão nas minas de Tucambira, do arremesso que sobre ela e seus posseiros paulistas da bandeira de Miguel Domingues, fizeram os “papudos”, que dizem foram das ribeiras do rio das Contas e Gurutuba. Resultou disso o maior povoamento dos núcleos que se formavam na parte oeste do rio Verde, território do Serro, desmembrado da Jacobina em 1714, a que se junto Minas Novas, a 11 de maio de 1757. Montes Claros, originario do patrimonio instituido a 19 de junho de 1769, pelo Alferes José Lopes de Carvalho, recebe alguns fugitivos quando ainda era conhecido pelo nome de fazenda das Melancias, e Cruzeiro era o povo mais prospero, vindo depois a ser o mais civilizado, constituindo-se, sua população, de bahianos, diamantinenses e serranos, que posteriormente vieram se fixar no nascente arraial de Formigas. (VIANA. 1935, p. 156)

O escritor Hermes Augusto de Paula, ao tratar sobre a história de Montes Claros afirmou que “Sem demora a região foi se povoando – negros fugidos, índios acuados, mineiros cansados de peregrinações frustradas, foram por ali se concentrando. E também vieram os companheiros do sertanista Miguel Domingues, expulsos das minas de Itacambira por aqueles que eles chamavam de “papudos” (PAULA, 1979, p.7).

Em 27 de dezembro de 2006 foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros (IHGMC), com auspícios do IHGMG. Estando entre seus membros entusiastas do conhecimento regional em seus diferentes âmbitos. Em se tratando da narrativa de Miguel Domingues dois nomes se destacam por seus trabalhos publicados: Leonardo Álvares da Silva Campos e Dario Teixeira Cotrim.

A narrativa sobre Miguel Domingues encontrou eco nos jornais de Montes Claros quando o estudioso Leonardo Álvares da Silva Campos, em 31 de maio de 1978, escreveu artigo no jornal “Diário de Montes Claros” com o título “Miguel Domingues, fundador de Montes Claros”. Novamente, em uma página destacada do “Jornal do Norte”, datado de 14 de agosto de 1994, o mesmo texto foi reproduzido. E novamente, em 2015, Leonardo Campos retoma os mesmos argumentos feitos nos jornais e publica o texto “Miguel Domingues, fundador de Montes Claros” na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

O artigo de Leonardo Campos reproduz trechos de diversos escritores, mencionados acima, que tratam sobre Miguel Domingues. E conclui que esse seria o fundador de Montes Claros. Porém, há um ponto que deve ser destacado. Segundo Campos, o José Lopes de Carvalho seria contemporâneo de Miguel Domingues:

Em 1707, a Fazenda dos Montes Claros já pertencia ao alferes José Lopes de Carvalho (Figueira, então, retornara para a sua família, em São Paulo, para nunca mais voltar). No mesmo ano, o capitão Miguel Domingues e seus comandados foram expulsos da mineração clandestina em Itacambira, pelos chamados “papudos”, vindo bater às portas da Fazenda dos Montes Claros. (SILVA CAMPOS. 2015, p.103)

Do mesmo modo, Dário Teixeira Cotrim, também membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, reproduziu a narrativa de Miguel Domingues em seus livros e artigos e afirmou ser José Lopes de Carvalho contemporâneo de Miguel Domingues:

Há aqui mais um engano que cumpre desfazer, pois nos parece que não foi tão casual assim a presença dos homens de Miguel Domingues aqui na Vila de Montes Claros de Formigas, como afirma o desembargador, doutor Antônio Augusto Veloso. É significativo registrar que o atual proprietário da fazenda dos Montes Claros, na época da chegada do capitão Miguel Domingues, era o alferes José Lopes de Carvalho, também oriundo daquele depósito natural de minérios nas vizinhanças de Itacambira, portanto, um velho conhecido desta corja de homens selváticos. (COTRIM. 2015. p.145)

É importante deixar claro que Leonardo Campos e Dario Cotrim afirmam que 1707 o alferes José Lopes de Carvalho já era proprietário da fazenda Montes Claros. Isso é cronologicamente impossível, posto que o alferes nasceu em 10 de julho de 1721.

Ao tratar sobre a origem de Itacambira no livro póstumo “Serra Geral: Diamantes, garimpeiros e Escravos”, o escritor Simeão Ribeiro Pires não trata sobre a narrativa de Miguel Domingues, mas evidencia que Fernão Dias fundou a povoação em 1679.

Conclusão

Por todo o exposto, podemos verificar que a narrativa sobre o Capitão Miguel Domingues se baseia em fonte única e sem documentação que proporciona maior consistência ao relato. De 1822 a 2021 não existiu uma pesquisa abrangente sobre o tema, posto que os historiadores se limitaram a reproduzir o mesmo relato, sem nenhum tipo de contestação visível ou análise documental.

Toda a bibliografia se limita a reproduzir o relato de Pizarro feito em 1822, e que foi duramente criticado por Varnhagen, que coloca em dúvida a qualidade do trabalho. Portanto, se faz necessário um estudo baseado nos documentos da época, bem como sistematização das ideias em torno da origem de Itacambira e Montes Claros.

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CELEBRANDO O ATO DE ESTAR JUNTOS

Depois de terem plantado sob o sol de um grande amor, suas sementes humanas, Dário e Ditinha as regaram abundantemente com afeto e valores que humanizam e forjam bons caracteres. E assim conseguiram fazer ultrapassar na sua descendência, bem mais do que somente uma perfeita combinação de DNA, mas também a força e espírito da verdadeira união banhada no amor fraterno, construindo conosco, seus filhos, aquilo que desde sempre denominamos FAMÍLIA.

Sob o ardor do claro sol de Montes Claros, trabalharam arduamente para o nosso bem estar, sofreram todas as transformações necessárias para dar cabo da tarefa hercúlea de educar igualmente os doze filhos e a todos fazer felizes. Viveram por nós e para nós. E depois se foram...

Não, não se foram. Essa imagem enganosa das suas ausências é simplesmente material. Eles permanecem em nós e efetivamente provamos essa realidade em nossos ocasionais encontros de irmãos.

Como a semeadura foi fértil, nos multiplicamos e nos transformamos em dezenas, contando os filhos, os netos e até os bisnetos que começam a aparecer. Somos hoje uma grande família espalhada por todo o Brasil e além. A fraternidade que nos une sempre nos levou a viajar longas distâncias para nos reencontrarmos e festejarmos juntos nossa ancestralidade, nosso sentimento de pertencimento e nosso legítimo afeto. E foi assim que agora em julho/2022, depois do angustiante isolamento imposto pela pandemia, a irmã Graça que reside em Brasília, num ato de Amor, tomou a iniciativa de oferecer uma festa para o reencontro de todos. Um desafio que mexeu com nossos corações ávidos daquele habitual ritual familiar. E foi assim que dois dias antes do dia dois de julho, as nossas telinhas de whatsap começaram a receber de toda a parte do Brasil, fotos de parentes em aeroportos, em rodoviárias, dentro dos carros, etc., anunciando partidas rumo à Brasília. De várias partes do Pará, de várias cidades do Tocantins, de toda Minas Gerais, inclusive Montes Claros e Belo Horizonte, do Rio de Janeiro de São Paulo capital e interior, de Sergipe, etc. Emoção e alegria a nos fazer reviver a certeza de que ser e viver a família é aprender sobre o amor da forma mais linda e genuína.

Na sexta-feira dia primeiro de julho, como proposto com antecipação, a geração primeira advinda de Dário e Ditinha (nós os irmãos), com maridos ou esposas nos reunimos na casa maravilhosa do mano José do Patrocínio no lago sul de Brasília de onde se tem uma das mais belas vistas da cidade. Apesar do frio reinante foi uma noite plena de calor humano, regada ao bom vinho, ao melhor da gastronomia supervisionada pela cunhada Hermita. Ali vivemos momentos gostosos de carinho e verdadeira amizade. Era grande a alegria de nos rever. Enquanto isto, sob coordenação das primas Julia e Mariana, em outro ponto da cidade a patota mais jovem (nossos filhos e filhas, genros e noras) se reuniam em um lindo salão, embalados pela boa cerveja e pizzas de todas as qualidades, gritando suas extremas alegrias, fotografando a todo abraço e poses fenomenais de grupos. Enfim, registrando para recordações futuras a alegria imensa daquelas presenças e gestos plenos de philia.

No dia seguinte, a grande festa oferecida pela irmã Graça, que caprichou nos detalhes. Todos, desde os mais velhos até aqueles em situação de berço compareceram vestidos a caráter para uma festa junina. Assim que entrávamos no grande salão do Clube do Exército de Brasília todo decorado com bandeirolas e barraquinhas, as exclamações vibrantes dos cumprimentos se tornavam um uníssono cujo som se elevava para o alto misturado ao ritmo gostoso do melhor forró pé de serra tocado e cantado ao vivo por artistas nordestinos. Por todo lado via-se sorrisos largos e espontâneos, abraços plenos de aconchego e ternura. Eram tios, sobrinhos, avós, netos, primos, irmãos, bisnetos. A alegria contagiou a todos, irmãos de sangue e “agregados” que igualmente nos completavam provando que família é antes de tudo, pertencimento. É pertencer a algo maior que nós sozinhos, é sentir-se amado e acolhido. É a base da perfeita felicidade, podemos até mesmo dizer que é coisa sagrada, que é coisa de Deus. Talvez por isto estes encontros nos remetam à pureza da criança que um dia fomos não importando o quão idosos já sejamos.

É claro que sabemos que nenhuma família é perfeita, mas é dentro dela que nos aperfeiçoamos e, algo bonito na nossa, é ver claramente que somos: “um por todos e todos por um”. Não importa a distância, o que importa é nossa união, nossa consciência de irmãos e a certeza de que nascemos para nos amar. Para maior felicidade no encontro, uma surpresa foi preparada pelas manas Zélia e Márcia que organizaram um belo livro sobre a família e o lançaram na noite. O livro, cujo título é “Álbum de Família”, traz na capa uma linda aquarela feita da foto da casa em que vivemos juntos aos nossos pais, na rua Januária número 34, em Montes Claros, pintada pelo artista Pedro Ferreira. Como conteúdo, depoimentos variados dos Patrocínio/ Silveira descrevendo e exaltando os próprios irmãos e nossos pais. Coube à Zélia, primeira autora do livro, escrever a sua apresentação e sobre nossa mãe, assim como o trabalho de organização das fotos de todos os casais com seus filhos, netos e bisnetos, mais alguns textos e a responsabilidade da editoração. Certo é que este livro, além de alimentar o perfeito conhecimento entre todos nutrirá a memória das novas gerações.

E assim, envolvidos por este sentimento maior chegamos ao terceiro dia quando nosso irmão Tião nos ofereceu o céu aqui na terra no seu aprazível sítio onde tem uma imensa floresta de árvores nobres com placas denominando familiares e amigos que ele homenageia. Lá me encontrei num frondoso ipê roxo cheio de flores, de uma beleza sem fim. Obrigada mano, por me ver tão linda assim. Foi o espaço e tempo adequado para a criançada se espaldar por um lado, adultos caminhando por todo o sitio sob árvores frondosas. Apelos ecológicos por todo lado, uma natureza feliz com o seu cuidador. Numa gigantesca armação sob uma mangueira muito fértil de tronco largo e frondoso, onde se vê de longe a placa com nome da nossa mãe, EDITE/ DITINHA, tendo por perto outra árvore vigorosa com o nome do nosso pai, DÁRIO, foi servido um almoço caseiro de gostosura sem fim e sobremesas tentadoras, tudo regado com variados sucos, boas cervejas e diálogos fraternalmente amorosos. O Tião e sua esposa Fátima eram só alegria e gentilezas. À tarde voltamos para Brasília onde muitos voariam para suas residências e outros dormiriam para partir na manhã seguinte. Assim todos retornaram ás suas casas em quadrantes distantes deste imenso Brasil, com seus corações nutridos do mais puro sentimento de alegria. O mesmo fizemos, eu, minhas filhas, genros e netos na certeza de que família é laço poderoso que nos constitui, é o mais eficiente laboratório do amor que tendo oportunidade se expressa em companheirismo. Tudo isto foi o que vivemos neste encontro abençoado que já desperta saudades. No caminho de volta nossos olhos se embaçaram de emoção da gratidão a todos que lá compareceram e aos irmãos Graça, Zé/Hermita, Tião/Fátima, Júlia, cujo empenho fortaleceu os laços de solidariedade dos irmãos Patrocínio/Silveira. OBRIGADA FAMILIA.


A CIVILIZAÇÃO DO COURO

Antônio Abrantes nos relata que o seu colega, o historiador Capistrano de Abreu se refere a “Civilização do Couro” para descrever a importância da pecuária no interior nordestino. A criação de gado esteve diretamente ligada a viabilização de estradas que ligavam Maranhão à Bahia com prolongamentos pelo Piauí e Goiás. Salvador se integrava à chapada Diamantina bem como os sertões de Ilhéus e Porto Seguro, Sul da Bahia e Norte de Minas, ou seja, a criação de gado foi um importante fator de integração nacional. A cidade de Montes Claros tem como Raíz a expansão da pecuária desenvolvida pelas bandeiras de Figueira e Lopez.

Antonil em sua obra” Cultura e Opulência” de 1711 já registra a exportação de couros do Brasil para a Lisboa. Uma carta dos Oficiais da Câmara de Olinda em 1729 registra a importância da sola e do açúcar no comércio local. A Companhia Gera de Comércio de Pernambuco e Paraíba registra exportações de meios de sola, couros em cabelo e atanados no período de 1751 a 1775. Na capitania da Bahia de 1714 uma carta dirigida ao el-rey pelos Oficiais da Câmara se queixa da falta de gados para carne diante da crescente utilização na indústria do couro diante da demanda no mercado interno e para Lisboa. A mesma queixa está presente em outros documentos da época. Oliveira Lima um documento datado de 1792 que registra na Capitania de São Paulo presença de “muita coirama”.

John Mawe assinala que em 1807 São Paulo exportava couros e sola para o Rio de Janeiro. A sola era parte do couro bruto, já seco, e destinava-se, principalmente, às sapatarias. O couro em cabelo era o couro bruto e salgado. Também chamado de vaqueta, sola ou soleta tanino, o coro atanado é o principal tipo de couro usado em projetos artesanais, feitos a mão. Trata-se de couro totalmente natural, sem coberturas ou acabamentos. Segundo Roberto Simonsen o comercio do gado bovino e a movimentação de tropas muares pelo país foi um fator de unidade econômica brasileira: “alargadas as fronteiras econômicas, ocupadas as vastas regiões dos sertões brasileiros, as economias e os capitais nacionais estavam representados, em fins do período colonial, nos engenhos, na escravaria e na pecuária. Foi a acumulação destes dois elementos, pela mineração, que facilitou a rápida expansão da cultura cafeeira, cultura esta que, por sua natureza especial, exigiria fartos braços e amplos meios de transporte”. Para Roberto Simonsen: “foi o gado o elemento de comércio por excelência por toda a hinterlândia brasileira, na maior parte da fase colonial. Indústria mais pobre, relativamente, que a do açúcar, apresentava, porém, uma feição caracteristicamente local, formadora de gente livre e com capitais próprios. A indústria açucareira, com outra organização social, funcionava, em grande parte com capitais da metrópole, aos quais eram atribuídos os maiores proventos. A produção da pecuária, e o seu rendimento ficavam incorporados ao país. As suas feiras, entre as quais a de Sorocaba, exerceram uma função inconfundível na formação de nossa infraestrutura econômica unitária, antes da independência”.

Muito do que hoje somos aqui nesta nação catrumana se deve a estes comerciantes de couro, que ao lado dos comerciantes de carne e sal lançaram as flechas da nossa urbanização e do nosso desenvolvimento econômico, não nos esquecendo da nossa cultura e dos nossos costumes ribeirinhos e rurais.


O QUE É TER UMA VIDA BOA?

Em geral, as pessoas aspiram a ter uma vida boa. Mas o que é ter boa vida? Para uns, significa viver bem consigo mesmo, está ao lado da pessoa que ama, confia e ser respeitado pela sociedade. Para outros, depende de cada uma de suas prioridades, valores e gostar de futebol. Para os idosos, a chegada da aposentadoria, representa para eles uma época de oportunidades e independência. Há os que acham que ter uma vida boa significa sentir-se bem, com o estilo de vida resumindo no seguinte: “Se você se sente bem, faça”. Para muitos, é possuir bens ou ter boa aparência. No Brasil damos imenso valor à beleza e à boa aparência: botox, roupas combinando, cortes de cabelo.

Fui buscar no filósofo grego Platão, a seguinte afirmação: a boa vida é vivida quando o homem cumpre sua função natural. Descobrir qual a função é o primeiro passo para viver uma vida boa. Para outro filósofo grego Sócrates, o meio para alcançar a vida boa está relacionado com as virtudes.

Diante do exposto, podemos considerar que viver e ter uma vida boa, não é uma ciência exata como matemática, mas uma arte, que nos leva a refletir sobre aquilo que queremos e reparar no que fazemos. Assim, temos que admitir que a espiritualidade é fator essencial para colher algum bem real na vida. Segundo J. Melgosa e M. Borges: “o envolvimento espiritual reduz o estresse psicológico, o que diminui a inflamação e a taxa de encurtamentos dos “relógios biológicos” celulares, chamados telômeros. Eles encurtam cada divisão celular e quando se vão, as células morrem, ocasionando a degeneração do órgão. As pessoas mais religiosas vivem melhor e em média 7 a 14 anos a mais.

O escritor Rick Warren no seu livro “Poder para mudar sua vida”, também foca o espiritual. Ele afirma com base nas Bíblia que a boa vida é uma vida cheia de bondade. Agora o que é bondade? Bondade, é ser bom e fazer o bem. E, quando você for bom e fizer o bem, se sentirá bem e começará até mesmo a ter uma boa aparência. Essa é uma satisfação mais profunda do que a dos egoístas que buscam o próprio prazer. Bondade significa cumprir um propósito. Quando você vive da maneira que Deus pretendia que vivesse, sente-se bem. Sua vida se torna significativa, se torna boa. Mas para qual o bem Deus o criou? A resposta está em Efésios 2:10, somos criados para as boas obras, as quais, Deus preparou para que andássemos nelas. O que a pessoa ganha com o estilo de vida cheio de bondade? A recompensa é um auto estima saudável, porque está fazendo o que Deus o preparou para fazer.

Nessa direção, um vídeo do Rev. Gustavo Quintela na escola bíblica dominical da 1ªIPB aqui em Montes Claros, reafirma: “A bondade de Deus tem várias facetas. Muitas vezes não compreendemos a grandeza da Sua bondade que é um dos seus atributos. Na essência, o nosso coração é mau. Nós fazemos coisas boas, mas temos imperfeições. É mais fácil encontrar uma pessoa insatisfeita na Noruegado que na África. Somente Deus aperfeiçoa o nosso coração para a bondade (TIAGO 1-17). Imagine um ser perfeito que é Deus. É um consolo para nós, saber que a bondade de Deus é completa. Em cada coração existe um vazio doloroso que só Ele é capaz de preencher. Para uma vida plena, é indispensável conhecer a Deus e nos relacionarmos com Ele”.

Finalmente, Mark Finley e Peter Landless no livro “Viva com Esperança” afirmam: “ter uma vida boa ou plena, seja qual for o desafio que você enfrenta, outros também o enfrentam. Você não está sozinho. Em qualquer situação, Deus já traçou uma rota de escape e um meio de libertação. Apoiando-se na força divina, você pode encontrar uma vida plena e equilibrada física, mental, emocional e espiritualmente. Evitar hábitos e práticas prejudiciais, viciantes e destrutivas torna-se, assim, uma decisão motivada espiritualmente, em gratidão pelas bênçãos incríveis e maravilhosas e pelo privilégio do dom da vida.


Ô ABRE ALAS
QUE OS CATOPÉS, MARUJOS E
CABOCLINHOS VÊM CHEGANDO!

Em agosto, a velha cidade acorda. Montes Claros, avozinha, enfeita-se toda mocinha, com fitas, cores e estandartes. Sopra um vento norte, que entra pela frincha das portas, invade a quietude das salas e se esgueira pelos cantos das casas, acariciando a alma da gente.

Em agosto, mês festeiro, pouco a pouco, abrem-se as janelas, debulham-se os terços, varrem-se os terreiros, como se tudo se preparasse em ritmos e pausas.

Em agosto, os cheiros também se preparam em fornadas de biscoitos, cachaça da boa, carne de sol de dois pelos, fritando nos braseiros.

Em agosto, alguma coisa sagrada se prepara e se anuncia.

Quem vem chegando, não pede licença; ocupam as ruas, dobram as esquinas, acordam as lembranças, escrevem histórias.

Quem vem chegando, com vento, festa e alegria, traz um canto longínquo, entoado antes de mim, antes de meus avós, antes mesmo das casas dos homens que aqui ficaram. Um canto de África e das naus portuguesas e um canto dos povos que aqui habitavam.

Quem vem chegando, quem vem de lá? Os catopés, os marujos e os caboclinhos. Eles vêm festejar o Divino, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. E trazem os sons das irmandades pretas, as co - res das pajelanças e as naus dos europeus na rica mistura dos povos que nos habitam. Antes deles, as pedras da cidade pulsam, como que anunciando. E nossos corações pressentem.

Caixas, tamborins e pandeiros estão chegando. A mão preta que dita o compasso da festa convida e atiça. Há uma energia ancestral que dança na rua, brinca com os santos, ergue os mastros, saúda os passantes. Há uma história sendo desfiada em todo pé que desfila, em todo menino que passa, em cada mulher que se enfeita.

Em agosto, há cortejos, reinados, brancos, pretos e indígenas, ritmo, música e adoração.

Em agosto, a história da formação do povo brasileiro é encena - da nas ruas de Montes Claros, na celebração dos diferentes povos que forjaram nossa alma mestiça, nossos vários falares. Em agosto, a nossa identidade se revela, em passos brincantes, batuques e cantorias. Os mastros encenam nossa fé brasileira – mesti - ça, sincrética e feliz manifestação do povo que nos habita.

Em agosto, tudo se prepara, tudo se realiza e tudo é performan - ce de uma história que não pode ser esquecida.

Todos sabem, todos cantam, ninguém esconde do outro que, em agosto, na verdade, Montes Claros mostra sua verdadeira alma

(Esse texto é dedicado ao Mestre Zanza e a todos os catopés, marujos e caboclinhos).


SISTEMA EDUCACIONAL NO JAPÃO

Todos nós sabemos que a base do desenvolvimento de um país de primeiro mundo é a educação. Um sistema educacional bem estruturado produz indivíduos capazes de agregar ao crescimento político, social, financeiro e familiar do local em que vive. Prova irrefutável disso é o Japão. País destruído e desmoralizado após a segunda guerra mundial teve, nesse período, a necessidade de reformulação do seu sistema. Ou seja, já havia na sua mentalidade a importância fundamental de um processo de ensino que iria produzir toda a base para um país de primeira potência que é hoje.

Atualmente conta com cinco fases que vão do jardim de infância à universidade seguindo o modelo americano: Yoochien – Jardim de Infância que pode durar de um a três anos. Shoogako – Ensino Fundamental Primário que dura seis anos. Chuugako – Ensino Fundamental Secundário que dura três anos. Kooko – Ensino Médio que dura três anos. Daigaku – Universidade que dura em média quatro anos.

Existe uma obrigatoriedade da formação que vai do início do Shoogako e o final do Chuugako completando no mínimo nove anos de estudos. O tempo médio de permanência na escola é de 6 horas, exceto para algumas classes do ensino fundamental.

O ano letivo tem início no dia 1 de abril e término no início do mês de março com cinco dias semanais podendo ter aulas no sábado também e 210 dias anuais.

Um fator impressionante é a responsabilidade da criança e adolescente. A taxa de frequência escolar no período obrigatório é de 99,98%. No Kooko, que não é obrigatório, tem 96% de matrículas em todo o país e em algumas cidades esse número chega a 100%. Cerca de 46% de formados no ensino médio vão para as universidades. A taxa de abandono escolar é de apenas 2%.

Normalmente, no ensino fundamental, um professor ensina todas as disciplinas para cada classe que tem em média de 30 a 40 alunos. Além das aulas dentro da sala, os alunos têm aulas extracurriculares práticas dentro de laboratórios e, em locais externos, aula de agronomia.

No Shoogako são ensinadas as matérias de japonês, estudos sociais, estudos gerais, matemática, ciências, estudos ambientais, musica, arte e artesanato, vida cotidiana e conhecimentos domésticos, educação moral e educação física. A língua inglesa se inclui no Chuugako,

Os adolescentes, quando chegam na fase de incursão ao ensino médio, querem escolher o melhor curso e optam por escolas privadas para receber um bom suporte acadêmico para uma boa base e assim ingressar na universidade. Para entrar no ensino médio, obrigatoriamente passam por um processo de vestibular, ou seja, eles precisam provar que estão qualificados. Devido ao alto grau de competitividade e pelas exigência das famílias, alguns alunos se preparam mais com os chamados cursinhos (Gakken ou Yobiko) que levam dois anos.

É interessante frisar que existem métodos diferenciados que fazem muita diferença para a formação de um bom indivíduo. No início do dia escolar é ensinado ao aluno a fazer a ginástica matinal (Taisou) para que o desenvolvimento nos estudos seja salutar. Desde o jardim de infância, as crianças são educadas a respeitar umas às outras e aos pais salientando sempre o bom convívio familiar. Valorizam o ensinamento quanto à higiene, pontualidade, cooperação e o trabalho em grupo. Em suas tarefas o respeito pelos mais velhos é ensinado desde a ida para a escola. Geralmente as escolas são escolhidas de acordo com a proximidade da residência, o que permite que o aluno se junte a um grupo da sua vizinhança e vão a pé. Sempre tem um líder clamado de Senpai que é escolhido entre as crianças mais velhas. Acompanham também dois adultos que são revezados entre os pais, mas que não interferem na caminhada, somente sendo solicitada a intervenção em casos extremos. Estes mesmos pais realizam patrulhamento durante os banhos de piscina dos alunos nas escolas. A limpeza da instituição, a distribuição das refeições, a organização dos ambientes e outras tarefas simples, são feitas pelos próprios alunos, ou seja, não existem funcionários encarregados para estas funções. Anualmente, as escolas promovem competições esportivas. Todos os alunos são obrigados a participar. O clima de competitividade é muito grande, mas o respeito e valorização pela vitória e a aceitação pela derrota com gratidão pelo esforço de cada indivíduo são cultivados dentro do sentimento de cada aluno.

Independentemente deste sistema educacional parecer perfeito, assim como em outras instituições de outros países, existem muitos problemas. Os alunos são muito pressionados pelos pais e este sistema é muito exigente, principalmente os exames no período do ensino médio e universitário. Essa pressão mais processos existentes de bullying (Ijime) têm levado muitos jovens a cometer suicídio.

Com tudo isso, minha visão com referência a educação não altera no sentido de que, para um futuro próspero necessitamos de mudanças no nosso sistema educacional.


ENSAIO SOBRE O HISTÓRICO DA
VIOLÊNCIA POLICIAL EM MINAS GERAIS

Uma fala sobre violência policial é ideológica, como tudo que se diz é ideológico e depende apenas do lugar de quem fala para se definir qual ideologia está presente. As instituições policiais não são entidades isoladas, fazem parte de um sistema que rege a sociedade como um todo e que se estrutura em leis (as escritas, oficiais, e as não escritas que compõem a “mão invisível” que dá suporte ao sistema). As abordagens ao tema se sucedem de maneiras diversas: entre os extremos de quem diz que não existe violência policial e de quem diz que ela não só existe, mas é inerente, crônica e extremada, há vários níveis de percepção, entendimento e de tentativas de explicá-la; este ensaio tenta fugir aos extremos.

Heli José Gonçalves (oficial da PMMG), em “Controle social e violência: uma análise da Polícia Militar de Minas Gerais”, dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Social da Unimontes, em 2012, fala dos estudiosos que mostram “que os fatores que influenciam a violência policial se reproduzem através da cultura organizacional da Polícia Militar” e acrescenta que se somam a isto as questões internas que interferem nas relações interpessoais. Abordaremos estas questões, com outra perspectiva, mas sem discordar desta posição.

Fábio Gomes de França (oficial da PMPB, doutor em Sociologia e pós-doutor em Direitos Humanos), fala do método pedagógico das Polícias Militares e Bombeiros Militares, que ele definiu como “Pedagogia do Sofrimento” (talvez ele tenha utilizado o termo sofrimento ao invés de “terror” para que a ideia de “terrorismo pedagógico” não fosse confundida com “terrorismo político” e gerasse especulações). Os feitos desse modelo pedagógico, sobre o qual trataremos mais à frente, interfere diretamente na relação desses profissionais com a sociedade civil, especialmente os PMs que lidam diretamente com conflitos que, além de exigirem estratégias não programadas, porque cada situação é ímpar, ainda oferecem riscos que elevam o nível de adrenalina no organismo do policial e afeta suas reações e o seu psiquismo.

Temos, então, expostas até aqui questões que se relacionam à cultura organizacional – vale lembrar que as instituições policiais militares brasileiras, no geral, são parecidas entre si –, questões ligadas a relações interpessoais internas conflitantes, cujas origens estão no processo de formação, isto é, na pedagogia policial-militar de origem prussiana, como veremos, e na própria cultura da violência que se difunde na sociedade civil, de onde são selecionados os policiais; essa cultura é herança do período colonial. Não há como negar que a sociedade brasileira, culturalmente sempre foi, e ainda é, violenta, desigual e injusta, marcada por uma classe cujos integrantes sempre se revezaram no poder, com baixíssima mobilidade social. É desse caldo político-cultural que originou a mentalidade que permeou a criação dessas instituições policiais, no passado: o foco sempre foi atender aos interesses das elites governantes em detrimento das classes menos favorecidas.

Dividindo espaço com a PM em Minas Gerais, temos a Polícia Civil. A primeira de caráter ostensivo e a segunda com funções de polícia judiciária, funções que complementam as da primeira e serve de base para execução penal pelo Poder judiciário. É importante lembrar que a PMMG é a corporação policial mais antiga do Brasil: teve sua origem no Regimento Regular de Cavalaria de Minas, criado em

1775, cuja missão inicial era proteger os interesses da Coroa Portuguesa, especialmente o ouro que saía de Minas e era levado para o Rio de Janeiro e daí para Portugal – Tiradentes pertenceu a esse Regimento e quando foi executado tinha a graduação de Alferes, hoje equivalente a Subtenente; era o último nível hierárquico permitido a brasileiros, que só podiam ser praças, os oficiais eram todos portugueses, nomeados pela Coroa. Uma curiosidade: o principal denunciante da Inconfidência Mineira, Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes, era português, Coronel comandante do Regimento de Cavalaria de Barbacena, portanto, a sua denúncia, pelo que se depreende, conquanto seja politicamente incorreto afirmar, não foi apenas uma traição, foi também um ato de ofício. A Policia Civil, embora tenha surgido antes, só se estruturou de fato, como tal, em 1866, através de um decreto imperial.

Albert Francis Cotta (oficial da PMMG e pós-doutor em História) afirma que a PMMG, na primeira metade do século XX, quando sua denominação era Força Pública do Estado de Minas Gerais, chegou a ser bem organizada na capital, porém, no interior do Estado, na maioria das vezes, ficou a mercê do mandonismo político, fenômeno identificado como “coronelismo” pelo jurista e cientista político Victor Nunes Leal. Esse “coronelismo” não se relaciona diretamente ao militarismo: tratava-se de títulos nobiliárquicos, criados após a República, concedidos proporcionalmente ao poder econômico e político do agraciado, podia ser de capitão, major ou coronel; como uma espécie de justificativa pelo título concedido, o agraciado passava a ostentar também um posto militar honorífico, equivalente ao título nobiliárquico, na Guarda Nacional. Em muitos casos, integrantes da Força Pública compunham uma espécie de exército particular desses homens poderosos pelos rincões do Estado, ao lado do contingente de jagunços.

Ao contrário da PM que sempre se fez presente em cada município, a PC sempre atuou nas cidades mais importantes, embora sua atuação na prática não defendesse interesses diferentes dos que a PM foi criada para defender. Houve um período em que oficiais da PM atuaram como Delegados Especiais, com função de Polícia Judiciária, em cidades de porte médio do interior, e, por vezes, mantinham PMs de sua confiança, especialmente Cabos e Soldados atuando como investigadores, todos sem usar o uniforme da PM. Nas cidades pequenas, até a década de 1980, existiam os Delegados Municipais de Polícia, nomeados pelos prefeitos entre os seus correligionários. Na gíria policial-militar eram conhecidos como “Delegados Calça-curta”, alguns eram completamente analfabetos. A lei permitia nomear também um ou mais carcereiros, pelos mesmos critérios, ou seja, entre os correligionários, mesmo quando não houvesse cadeia pública no município; quando se mudava o grupo político no poder, mudava-se os delegados e carcereiros.

Um detalhe que merece destaque é que as polícias brasileiras têm uma formação autoritária e isso, somado à violência cultural da nossa sociedade, conforme já citado, pode interferir na atuação desses profissionais, levando-os a agir com violência arbitrária. O modelo pedagógico autoritário herdado do período colonial se reforçou com a primeira grande reestruturação da PMMG, com a vinda de Robert Drexler, Capitão do exército suíço, contratado pelo então Presidente do Estado de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão, que o comissionou no posto de Coronel da PM; Drexler nasceu na fronteira da Suíça com a Alemanha e teve toda a sua formação no rigor extremo dos moldes do exército prussiano. O exército prussiano foi uma das maiores forças que existiu na Europa, criado no século XVII e subsistiu por pelo menos dois séculos e, mesmo sendo derrotado pelo exército de Napoleão, continuou influenciando a formação de forças militares pelo mundo; sua influência é clara nos militares e demais forças policiais brasileiras; em Minas o modelo foi implantado com Drexler.

A VIOLÊNCIA POLICIAL EM UM PASSADO NÃO MUITO DISTANTE

Tomaz Martins Filho e Damião Rocha, em “Os Fundamentos da Pedagogia Prussiana Liberal: reflexões sobre o hábito disciplinar no currículo militarista”, descrevem os efeitos dos métodos desse modelo no comportamento do educando. A chamada preparação para a “resistência à psicofadiga” se destaca como um mecanismo aterrorizante, uma técnica baseada na visão positivista de que quanto maior a tensão psicológica mais forte o indivíduo se torna para fazer frente a situações adversas; um formato robotizador que desconsidera os limites do aparelho psíquico e a ação dos mecanismos de defesa presentes naturalmente na mente humana. Esse processo pode provocar o surgimento de transtornos psíquicos ou agravar aqueles existentes em potencial, e esse adoecimento pode resultar em atitudes violentas do profissional no dia a dia.

Até 1987 a exigência para ingresso nas fileiras da PMMG como Soldado era a chamada 4ª série primária. Antes de 1969, quando houve a segunda grande reestruturação da corporação, não havia exigência de escolaridade: bastava concordar com os regulamentos internos, as exigências, os salários e, sobretudo, ter disposição para enfrentar situações de risco: em resumo, ser violento. Cabos e Soldados nesse período não eram considerados cidadãos, não votavam, não podiam se candidatar, sequer podiam usar trajes civis, andavam fardados o tempo todo, só podiam trajar civilmente mediante autorização escrita do seu comandante em alguma situação especial. O uniforme era mais do que uma vestimenta, era um instrumento que identificava esse policial e criava toda uma mística em torno dele em relação à população civil – havia um temor profundo, confundido com respeito, da população em relação a esse profissional.

Sobre os policiais civis, estes sempre tiveram mais escolarização que os Cabos e Soldados da PM; mas, havia uma desvantagem no trato com a população, em relação aos PM: faltava àqueles a mística do uniforme e, portanto, não havia o temor profundo, acima citado, no mesmo nível. Um policial civil muito antigo, já aposentado há muitos anos, e saudosista do seu tempo, declarou: “Não tínhamos farda, para impor respeito, sequer tínhamos distintivos, usávamos apenas a carteira funcional, para compensar, nós nos impúnhamos na base do cacete! Ou respeitava ou caía no pau!”. A fala dele traduz a fama existente até pouco tempo de que os policiais civis eram muito mais violentos do que os policiais militares – e olha que os PMs sempre foram violentos. É óbvio que as duas corporações passaram por profundas mudanças, mas ainda existem resquícios da cultura da violência de antanho.

Um policial militar veterano, reformado no início da década de 1980, relembra vários fatos referentes à violência policial no Norte de Minas, mas três casos citados por ele, merecem atenção especial. Um deles foi com a implantação da Delegacia Regional da Polícia Civil em Janaúba em meados da década de 1970: os policiais civis que para lá foram enviados implantaram um verdadeiro terror na cidade, com prisões indiscriminadas e, toda pessoa presa, sem exceção, era torturada; a população denominava a Polícia Civil local, na época, de “Polícia Regional”, como se fosse uma corporação específica com essa denominação. Na mesma cidade de Janaúba e na mesma época, talvez por influência da ação violenta dos policiais civis, um grupo de policiais militares costumava se reunir, com frequência, no centro da cidade em um bar, acompanhados por alguns cidadãos civis e, após ingestão de bebidas alcóolicas, deslocava-se para o bairro Novo Paraíso, denominado sarcasticamente de “Inferninho”, onde havia várias casas de prostituição muito pobres, e ali promoviam um verdadeiro pandemônio, obrigando os frequentadores do local a fugirem mediante agressões físicas; os cidadãos civis que se reuniam no bar com os policiais militares, inclusive o dono do bar, acompanhavam os policiais militares e também participavam das agressões. Esses agressores denominavam o grupo de “O Patrulhão”. O mesmo policial relembra que, mais ou menos na mesma época dos dois fatos citados, existiu em Montes Claros um grupo que, incialmente seria destinado a um patrulhamento em um micro-ônibus, por toda a cidade, apelidado

MUDANÇAS

Temos hoje, defesas intransigentes da desmilitarização das Polícias Militares que, embora não deva ser uma alternativa totalmente descartada, não seria sinônimo de mudança comportamental dos seus integrantes pelo simples fato de se tornar uma instituição civil. O fato recente envolvendo a ação de policiais rodoviários federais que prenderam um cidadão no compartimento fechado da viatura e jogaram dentro desse compartimento uma bomba de gás lacrimogênio, com plena consciência da desnecessidade do ato, do nível de desconforto que estavam causando ao cidadão e do risco de morte dele – que de fato se consumou, indubitavelmente, por asfixia – indica que não basta desmilitarizar uma corporação para se ter ações mais humanizadas. Os policiais rodoviários federais são profissionais civis, não obstante a formação destes obedecer ao modelo pedagógico de origem prussiana dos militares e policiais militares brasileiros. Esse modelo pedagógico, sim, carece ser repensado.

O policial, em tese, é preparado para lidar com conflitos sem se exceder os limites da lei. A própria lei lhe garante o uso da violência, em situações específicas, como garante também aos cidadãos em geral, especialmente no caso de legítima defesa de si próprio ou legítima defesa de terceiros. O que configura a violência policial são aqueles atos violentos desnecessários, fora do previsto em lei: agressões gratuitas, agressões com intuito de levar alguém a confessar alguma coisa, agressões a título de supostas correções por algum ato considerado infracional ou imoral, etc., etc. São os atos desviantes. Nenhuma instituição policial prevê nas suas normas internas atitudes de desrespeito a qualquer direito inerente à pessoa humana, quem o pratica o faz por livre escolha, obviamente por razões diversas, como apontamos ao longo deste texto.

A legítima defesa, usar dos meios necessários disponíveis para impedir agressão injusta e iminente, contra si ou contra terceiros, agressão a que o defensor não deu causa, não constitui crime, desde que seja empregada apenas até o momento que cessar a agressão injusta; qualquer ato violento além disso será considerado excesso. Policiais frequentemente deparam com situações que justificam essa defesa, ou o emprego de meios menos drásticos, como técnicas de imobilização ou emprego de instrumentos como bastões na defesa contra socos pontapés, emprego de armas e munições não letais, dentre outros.

Se ocorre casos que não se enquadram nas excludentes de ilicitude previstas em lei, a corporação, seja ela qual for, tem por ofício providenciar a devida investigação, de forma imparcial e, diante da comprovação, providenciar a punição no âmbito administrativo e, havendo, indícios de crime, encaminhar os dados coletados na investigação para o devido processo judicial. Houve tempos em que o corporativismo costumava levar, com frequência, a condução de maneira parcial, acusações contra os integrantes de uma corporação, sem que isso viesse a público, hoje, com o aumento do nível de conhecimento dos cidadãos sobre seus direitos civis e com ampla circulação de informações, especialmente por mídias eletrônicas, é mais difícil ocorrer imparcialidades como no passado. Outro fator que merece ser destacado é o nível médio de escolaridade de policiais militares e policiais civis atualmente, que é de formação universitária, o que favorece bastante a torná-los mais reflexivos sobre suas ações, não obstante, o fenômeno denominado de “coronelismo das polícias militares” e tal fenômeno tem provocado uma maior incidência de casos recentes de desvios de condutas de alguns desses profissionais em relação ao uso da violência.


SESSENTA ANOS DE SACERDÓCIO DE
MONSENHOR ANTÔNIO ALENCAR MONTEIRO

Agradeço aos ilustres irmãos do grupo Discípulos Missionários, pelo deferimento de representá-los nesta honrosa missão de render homenagem ao nosso querido amigo e conselheiro espiritual, o Monsenhor Antônio Alencar Monteiro, pelos seus 60 anos de vida sacerdotal.

Faço-o com o coração transbordando emoção, pois dessas seis décadas de sacerdócio do Monsenhor Alencar, os casais que compõem este grupo, e também muitos outros casais tiveram a honra, a felicidade e o prazer de participar, pelo menos, de uns trinta por cento dessa vitoriosa caminhada. Obrigado meus amigos.

Início as nossas homenagens revivendo as palavras do saudoso Arcebispo Emérito de Montes Claros – Dom Geraldo Magela de Castro, no prefácio do livro: Do Sonho à Realidade, escrito a quatro mãos pelas escritoras Maria da Glória Caxito Mameluque e Filomena de Alencar Monteiro Prates, Filomena é irmã do nosso homenageado.

Disse Dom Geraldo: “Verdadeiro caçador de vocações, dedicou um profundo apreço aos Seminários e Seminaristas, tendo sido Reitor do Seminário Menor”. Disse também: “Deu valor ao apostolado dos leigos e sempre foi cercado de casais, impulsionando-os e orientando-os no seu trabalho pastoral e evangelizador. ”

O nono de 14 filhos do casal, senhor Zequinha e dona Rosinha, nasceu em 01 de novembro de 1932, lá pelas bandas de Vila do Barro, no Ceará, apoiado pelas mãos santas da parteira Zefinha Gonçalves. Nesse mesmo dia, a fazenda em que nasceu recebeu também a visita de um rei. Rei sim senhor, recebeu a visita de Virgulino Ferreira da Silva, Lampião o “Rei do cangaço”.

Lampião não ofertou nenhum presente para o recém-nascido, mas foi presenteado com um saco de farinha de mandioca, 12 rapaduras e um novilho em ponto de abate. Em agradecimento disse que pediria ao Padim Ciço (Padre Cícero) que celebrasse uma missa e bênçãos para Seu Zequinha e Família, em especial para o recém-nascido que, batizado, recebeu o nome de Antônio Alencar Monteiro.

“Tonho”, ainda criança, profetizou o seu próprio futuro: “quando eu crescer vou ser padre ou soldado. “

Era jovem com 18 anos quando revelou ao Dom Francisco - Bispo Diocesano do Crato –, o desejo de ser padre, tendo recebido o incentivo para iniciar-se no Seminário Menor, na cidade de Crato/ CE; posteriormente, seguiu para o Seminário da Prainha em Fortaleza/CE, onde cursou Filosofia e parte da Teologia. Em 1959 transferiu- -se com a família para a cidade de Coração de Jesus em Minas Gerais e foi concluir seus estudos de Teologia na cidade de Diamantina/MG. Ordenou-se Sacerdote no dia 8 de julho de 1962, na Catedral de Nossa Senhora Aparecida, onde continuou suas celebrações, algum tempo depois assumiu a Paróquia do Cintra e a direção do Seminário Nossa Senhora Medianeira. Anos mais tarde, foi designado para a Capelania do 10º BPMMG como Capitão Capelão até a sua aposentadoria no posto de Tenente Coronel. Cumpriu-se assim a sua profecia: ser padre ou soldado. A providência Divina cuidou para que fosse os dois: Padre e Soldado!

Nós do Apostolado dos leigos, como disse o Arcebispo Dom Geraldo Magela, somos partes integrantes dos casais que vivem cercando o nosso querido Monsenhor Alencar e somos provas incontestes do seu trabalho diuturno em prol da igreja de Cristo e da família. Foram muitos Encontros de Casais com Cristo em suas três etapas e muitas reuniões com as equipes da Pastoral Familiar, sempre cuidando em orientar os casais como forma de fortalecer a igreja e o casamento da maneira que Deus o criou – “uma só carne até que a morte os separe”.

Monsenhor Alencar! Penso que já falei demais, contudo, temos a certeza de que os seus valores morais e sacerdotais são tamanhos que não cabem neste pedaço de papel, nem se resumem nas parcas palavras aqui proferidas.

Aos presentes nesta solenidade, sugiro que leiam o livro de Glorinha e Filomena – Do Sonho à realidade – Ser padre, só padre, totalmente padre, para se deleitarem na história de vida desse Homem de Deus.

Parabéns, Monsenhor Antônio Alencar Monteiro, pelos seus sessenta anos de Sacerdócio, uma vida dedicada à evangelização, como servo fiel, construtor e seguidor da Igreja de Jesus Cristo.

Deus o abençoe, Monsenhor!


ME LEMBRAVA O RIACHO FUNDO

Em uma das diversas viagens à fazenda Riacho Fundo, coisa de décadas atrás, estávamos acampados à beira do rio Riacho Fundo, numa vazante depois da travessia da Barroca Seca, a terra cheia de mato e capim, estava sendo preparada para o plantio de feijão e milho, terra boa de cultura, descansada, pelo fato de não está sendo cultivada há muitos anos.

Chegamos com o sol virado pra o entardecer, o rancho de palha de coco bem próximo ao barranco do rio, já estava pronto, várias pessoas estavam ali trabalhando, enquanto uns iam roçando, destocando, queimando ciscos, outros adiantavam os trabalhos, esticando arame para evitar a invasão dos animais na época do plantio, eu ficava na retaguarda, menino era pra isso, buscar água no rio e pegar alguma ferramenta caso fosse necessário.

De repente o vaqueiro, do outro lado do rio, começa seu aboio, o que acabou me chamando a atenção, e pus-me a escutar e observa- -lo, ele tangia o gado aboiando de maneira suave, como se cantasse uma melodia, subi até um morrinho onde tive uma melhor visão do que o vaqueiro fazia, um pouco acima de onde as pessoas trabalhavam, para que eu pudesse ver então, o que estava acontecendo do outro lado do rio, vi a vacada branquinha, acompanhada de vários bezerros nadando o rio, naquele local a água parecia estar parada e ao mesmo tempo, rodopiava formando um pequeno remanso, não chegando a tocar a sela do vaqueiro, pois o rio era raso, e assim o vaqueiro seguiu tangendo o gado até a sede da fazenda, a fartura de água, o gado, o vaqueiro, se fixaram na minha mente, de tal maneira, que dela nunca mais saiu.

A noite chegou, os homens com seus cigarros de palha acesos, contavam casos à beira de uma pequenina fogueira acendida por eles mesmos, esperando o sono chegar, espichavam assuntos, cochilavam, mas o sono profundo não dava as caras.

O dia inteirinho de trabalho duro, exigiu descanso para o corpo daquelas pessoas, a lua cheia lá fora, aparecera no alto da serra distante daqui, imponente, clareava como a luz do dia, manifestando em mim algo até então desconhecido, inspiração... como chegara até a mim, essa coisa que eu mal sabia que existia, e poucos sabem o que significa tal palavra, quanta inspiração trago até hoje revendo aqueles momentos inesquecíveis e me pergunto, será que os homens de cigarros acesos traziam com eles este sentimento? fico imaginando... e me arrisco, a inspiração está dentro de nós mesmos, na alma, no pensar, no desandar das coisas quando as mesmas não atendem nossas ordens, é algo que brota em nós e não morre antes da gente.

Voltei minhas vistas para o morrinho, de onde vi o vaqueiro fazendo seu número antes do fim daquela tarde, a lua cheia, me mostrava certinho onde eu estive, no meio daquele pedaço de sertão, sem uma caderneta para anotar o que poderia escapar de minha mente, do outro lado do rio, o gado e o vaqueiro se silenciaram, pois já é noite e as noites são feitas para o descanso, procuro um cantinho, e busco meu sono, as brasas resistem e mantém o lugar na penumbra, a fumaça dos cigarros aos poucos foram ficando miúdas como pequenos vagalumes, à medida que os fumantes silenciavam suas vozes e pigarros.

Passaram-se os anos, mas continuo de posse de minhas intocáveis lembranças, longe da fazenda Riacho Fundo, aqui em Montes Claros, mais precisamente onde é o bairro João Botelho atualmente, neste local sempre que eu passava, via várias vacas sendo alimentadas na cocheira exposta no limite entre a avenida Leonel beirão de jesus e a fazenda que ali existia, os animais eram a atração tanto para os moradores, e porquê não para os transeuntes como eu, vários carros com pais e crianças paravam só pra verem de perto as vacas da fazenda, aquilo me lembrava a fazenda Riacho Fundo, muitas vezes parei só para observar aqueles animais, a impressão que eu tinha, era de que, a qualquer momento apareceria um vaqueiro e começaria aboiando as vacas e as levaria pra bem longe dali, quem sabe atravessando o rio, que eu sabia que era impossível existir por aqui, mas nada disso aconteceu, pois, se aqui existia algum vaqueiro, eu nunca o vi montado em seu cavalo aboiando a vacada após a ordenha, em direção ao pasto.

Assim, como eu fazia todas as vezes passando por aquele lugar, sai andando pela avenida, seguindo meu rumo, olhei para trás, as vacas continuavam no mesmo lugar, em volta da cocheira se alimentando.

A Fazenda Riacho Fundo, distante... muito distante daqui um dia já existiu e segue perseguindo meus pensamentos, em busca de explicações que eu não sei a resposta, belas lembranças ficaram, bons momentos mais que especiais deixaram suas marcas profundas, respeitando o espaço de cada um deles, entre o passado e o presente.


SOLAR DOS PRATES / OLIVEIRAS

Em 16 de Agosto de 1856 (há 166 anos) foi requerida pelo Capitão José Rodrigues Prates uma área para construir um sobrado no Largo da Matriz no local onde hoje se encontra o prédio dos Correios, porém, já com a área concedida, o Capitão Prates resolveu construí-lo em outro lugar – fazendo uma permuta com outra área situada na esquina da Rua Direita (Dr. Veloso) com o Largo da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José - atual Praça Dr. Chaves.

O Solar que faz parte do núcleo turístico de Montes Claros, em 1918 o foi negociado e transferido para o SR. José Tomaz de Oliveira. Neste sobrado, funcionaram vários órgãos oficiais do governo - também foi o local embrionário do Jornal Gazeta do Norte e uma emissora de transmissão com vários programas comerciais (ZYD-7) - ambos fundados pelo jornalista Sr. Jair Oliveira.

Da família de Jair Oliveira só conheci dois, o pediatra Dr. Fernando Oliveira – era o médico que tratava os mais novos da prole dos Poncianos - o consultório do Dr. Fernando funcionava na esquina do Solar – também o mais jovem dos Oliveiras, Felisberto.

Felisberto Oliveira um “gentleman” com as pessoas mais velhas. Era um grande “bon-vivant”, não tinha apego pelas coisas materiais – apreciava boas bebidas – findou a vida morando no Solar Oliveirense, local onde viveu a maior parte da sua existência. - Dizem que sua alma ainda vaga pelo Solar – acredito que, só se vê uma alma com o coração – é invisível aos olhos.

Contam que a construção do Solar do Capitão Prates perdurou por dois anos – a Praça da Matriz ainda era um lugar de cenário bucólico com característica de uma próspera praça. – Ali, tudo de bom acontecia!

Dentro do sobrado ainda existe um mural de azulejos, nele, uma das mais belas obras de arte - até hoje é preservado - retrata a Matriz – o Solar – casa de Dona Eva – animais cargueiros – a famosa palmeira - a casa da família Rego e a antiga Escola Normal (hoje o museu).

O Solar dos Oliveiras sempre foi imponente, marcado pelo estilo colonial com “guarda corpo” nas sacadas, que evoca o luxo, conforto e impõe-se! Entretanto, passou por um abandono temporário que quase precipitou a sua decrepitude.

Em 2007 foi adquirido pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas - CAA/NM, ato que lhe deu o direito de apoderar-se do valor cultural e histórico da “nossa” mansão de infância. No pomar do Solar tinha muitas jabuticabas, mangas, mexericas e romãs – no jardim, lindas rosas e damas da noite. O CAA/NM decidiu restaurar o Solar, trazendo uma nova vida. A decoração interior da Solar foi redesenhada, porém, sem sair muito do contexto arquitetônico. Falta recolocar o famoso chafariz no seu lugar original – em frente ao portão da Rua Dr. Veloso. Desde então CAA/NM já faz parte da história do Solar dos Oliveiras.

Para nosso maior prazer o Solar dos Oliveiras está de portas abertas ao público em geral – basta agendar. Você poderá descobrir a arquitetura do edifício, visitar seus amplos cômodos e admirar o luxo do ambiente, o mural (mosaico), bem como alguns mobiliários de época.

O lugar é magnífico, nostálgico e altamente histórico. Oportunidade de usufruir das exposições e de conhecer melhor a história do Solar e vivenciar o Largo da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José (Praça Dr. Chaves) - sem hesitação!

- Não tem como compreender o presente e ser otimista com o futuro, se não conhecer o passado.


Solar dos Prates/Oliveira


À GUISA DE PREFÁCIO

Texto de Cristiano Ribeiro de Sena

Landulfo Santana Prado Filho Cadeira N. 23 Patrono: Carlos José Versiani Reconhecido pelos seus pares como detentor de um invejável cabedal de conhecimentos científicos e filosóficos, o escritor e filósofo Landulfo Santana Prado Filho traz a lume esta obra autobiográfica, que traduz um esforço empreendido pelo autor que é consentâneo com a sua busca pela verdade, busca denodada e sincera pela compreensão do mundo, das pessoas e do sentido da existência. Afinal, para desenhar um panorama coerente da realidade, o filósofo não pode se esquivar de analisar e entender a si mesmo, como agente dotador de significado e propósito a essa mesma realidade percebida.

Uma das facetas mais gratas da busca filosófica é a descoberta de implicações inesperadas, de fatos que encantam e satisfazem, ainda que momentaneamente, a fome de compreensão, do encontro do inusitado, que deslumbra a vista do viajante que depara uma paisagem que lhe enche os olhos, e recompensa o esforço da jornada. Pois nessa jornada histórica e biográfica em busca do conhecimento de si, o autor descobriu a sua verdadeira natureza, o móvel de sua curiosidade filosófica e da sua fome de saber. Ele se descobriu... Um garimpeiro da Verdade, sina que já veio programada em seus genes, e lhe descortinou um cenário repleto de possibilidades realizadoras. Tal sina se lhe apresenta entrelaçada em três conjuntos de fatos, inegáveis devido à sua tangibilidade evidente.

O primeiro conjunto, conforme já se aludiu, diz respeito à sua herança genética, por ser o autor descendente daquela estirpe de homens que, inquietos por natureza, lançaram-se à empreitada desbravadora do Novo Mundo, vindo dar com os costados no Alto Sertão da Bahia, ainda em meados do século XVIII, em busca do Eldorado mítico que incendiava a imaginação dos aventureiros de então. Ao contrário de muitos bandeirantes frustrados, esses seus ancestrais, dentre os quais os Medradas e os Prados, obtiveram algum sucesso com a descoberta de ribeirões auríferos em Rio de Contas, Mucugê e outras localidades da Serra Geral baiana, ainda que a sovinice desses veios levasse ao rápido esgotamento do ouro.

Muitos desistiram do sonho e foram embora, mas para aqueles que ficaram por ali e se estabeleceram como lavradores e criadores de gado, O destino reservaria uma grata surpresa, com a descoberta de grandes jazidas de diamante no século XIX, que fizeram a riqueza e o prestígio da Chapada Diamantina durante o Brasil Império, dando ensejo ao surgimento de uma civilização refinada e singular em pleno sertão.

É dessa gente que o autor descende, o que leva ao segundo conjunto de fatos supra-aludidos. Tendo herdado o gosto pela aventura, pelo novo, pelo desbravamento dos seus antepassados, o autor infletiu esse impulso para dentro, voltando-se à epopeia filosófica e tornando-se um buscador, não de serras de ouro e diamantes físicos, mas do ouro puro da Verdade filosófica. Pelos conhecimentos adquiridos em longas horas de leitura e reflexão, Landulfo Prado sabia que a sua almejada compreensão da verdade não estaria completa sem o conhecimento de si, e fiel à tradição filosófica helênica, transpôs os umbrais do Templo de Delfos, cujo frontão trazia a inscrição: Homem, conhece a Ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses...

Dessarte, mergulhou dentro de si em busca do autoconhecimento e reconheceu-se um continuador dessa linhagem de garimpeiros, mas agora um garimpeiro de conceitos, preconceitos, reflexos condicionados e atavismos, que em seu conjunto poderiam explicar a mecânica do funcionamento de sua alma. Durante esse trajeto, talvez inconscientemente, quis saber em que medida as ações dos que vieram antes dele condicionaram a sua presente existência, e pôs mãos à obra, no árduo trabalho de deslindar os fatos e obras de seus antecessores.

Isso conduz ao terceiro conjunto de fatos, que levaram Landulfo a se reconhecer mais uma vez como um garimpeiro, sina que o jungiu ainda nesse labor empreendido. Explica-se. Devido à exiguidade de fontes documentais de pesquisa, que foram comprometidas por motivos diversos, inclusive uma enchente que destruiu o cartório de Abaíra-BA, núcleo inicial de sua família, compreendeu que o trabalho de pesquisa que tinha à frente seria mais árduo do que tinha imaginado, a princípio.

Munindo-se da bateia da paciência, arregaçou as mangas da camisa e as barras da calça, e acocorando-se na beira do riacho da Tradição Oral, entregou-se ao minucioso labor de descartar o cascalho da fantasia, dos exageros e dos mitos, para reservar as pepitas douradas dos fatos históricos, com os quais veio a compor o relato ora apresentado. Essa obra, gratificante não só para o autor, mas para todos os que dela tomarem ciência, vem enriquecer o acervo de informações históricas e conceitos filosóficos, constituindo sem nenhum favor mais um tijolo no edifício do conhecimento humano. Fonte de realização para o autor, fonte de deleite para nós, leitores. Que a lavra intelectual de Landulfo Prado nunca se esgote, é o nosso desejo sincero e algo egoísta, no sentido de aplacar a nossa ambição por saber...


PAIXÃO CORRESPONDIDA,
AINDA QUE TARDIA

Minha filha permaneceu vinte anos sem se aventurar numa bicicleta, falou o palestrante. Aos 8 anos, a menina ouvira um comentário jocoso porque usava rodinhas de apoio. Foram necessárias duas décadas para superar o trauma.

A história me estimulou a investir forte no treinamento do meu filho. Essas lembranças me ocorrem enquanto ele pedala livremente no interior do Parque Sagarana. Nem todos cumprem a regra, mas apenas crianças tem direito a este deleite. A mente viaja enquanto vou pedalando na calçada externa. A razão se levanta e avisa: não perca ele de vista.

De fora, há muitas pessoas conversando a esmo, outros parecem envolvidos em temas sérios, uns tomando água de coco, outros cerveja. Lá dentro, há uma chusma de gente, como diria minha saudosa genitora. Meu coração se aperta quando o garoto se depara com bebês em carrinhos, outros pequenos em velocípedes, idosos e adultos que, felizes e descontraídos, vão curtindo as sombras e a bela paisagem. Mas ele adquiriu destreza e negocia bem cada encontro e ultrapassagem, deslizando pela pista que, em cada virada, tem alguma frase ou imagem em referência a Guimarães Rosa. Nesta habilidade é que mora o perigo. Ele quer se mostrar capaz de fazer tudo sozinho. Como um tigre siberiano que vê o homem muitas vezes antes de ser visto, ele sabe quando está fora do meu radar. E o Sagarana tem três saídas...

Na última vez, ele tomou a portaria que menos usamos e, fora do combinado, partiu em direção ao Parque Municipal. Pedalei como um louco para chegar em tempo de protegê-lo no primeiro cruzamento. Menos de um quilômetro de percurso e nos deparamos com uma grande escultura em madeira: “Parque Guimarães Rosa”. Além das palavras, há homens, armas, cavalos, pássaros e árvores do Grande Sertão. Uma obra de arte.

- O que é isso, papai?

- É uma placa com o nome do parque. Homenagem a um escritor.

Na volta, o menino resolveu se aventurar um pouco fora do asfalto, pedalando na terra e cascalho. Tomei a iniciativa:

- Meu filho, esse lugar se chama Praça dos Jatobás.

- Tá bom.

Fiquei aliviado porque ele não fez a pergunta fatal: “cadê os jatobás?”

De nossas bicicletas, avistei novamente a escultura. Por que não aproveitei o encontro e falei mais e melhor do extraordinário Guimarães Rosa, um dos meus autores prediletos!? Com frequência me angustio porque julgo minhas respostas muito pobres frente suas perguntas. Há dois anos ele me emparedou quando caminhávamos na Praça Dr. Chaves ao questionar o que era o busto de

Benedito Valadares. Tive que falar sobre a coisa, o monumento, e a pessoa, o líder político ali representado.

De bicicleta ou diapé, para usar um termo aparentado com o palavreado de Rosa, é fácil perceber que lideranças políticas ganham com folga dos escritores nos nomes de ruas, avenidas e praças. E desconfio que assim é em todo o Brasil. E isso de explicar carece não. Entenda, querido e paciente leitor. Estou relendo Grande Sertão: Veredas.

Há outro “fenômeno” estranho por estas plagas. Rua sem nomes! Sem placas, pelo menos. Seria uma homenagem ao tempo dos caminhos de Riobaldo, Diadorim e Titão Passos, quando se informavam dos destinos apenas oralmente? Garanto que não.

O problema se repete para além desses montes. A BR 135, a mais importante a cortar o norte de Minas, foi batizada Rodovia Guimarães Rosa em 2008. Fiquei encabulado quando soube da informação há poucas semanas, com 14 anos de atraso.

Não consigo imaginar um melhor nome para esse trecho. Se bem que denominar espaços públicos nunca é tarefa simples. Lembro-me de críticas a Unimontes por dar o nome de Darcy Ribeiro ao seu campus principal. “Ele nunca fez nada pela universidade”, resmungava um cidadão. Será mesmo? Uma pessoa com a trajetória de Darcy não mereceria o reconhecimento ainda que não tivesse qualquer vínculo com a cidade? Sua vida dedicada à educação me parece um grande serviço em favor das universidades, especialmente das públicas.

Mas voltemos a Rosa. Parece que o reconhecimento ao magistral contador de causos é recente em Montes Claros. Historiador está acostumado a falar em milênios, séculos. Então, vinte anos, uma década, é pouco tempo para esse tipo de gente.

Por que certo silêncio local em relação ao escritor? Não faço ideia. Mas Haroldo Lívio apresenta uma possibilidade para se desatar o nó. Lá se vão mais de 15 anos que entrei em contato com “Nelson Vianna – o personagem”, obra de Lívio. Intrigado com as recorrentes citações de Rosa na Unimontes e provocado pela pergunta do ciclista mirim, comecei a matutar... “Acho que já li alguém falando de umas rusgas entre o escritor e a cidade de Montes Claros”. Precisando estudar as inusitadas histórias de Nelson Vianna, voltei a Haroldo Lívio e tropecei em Guimarães Rosa. Feliz reencontro.

O livro reúne textos de Haroldo Lívio publicados na imprensa local. Em coluna de 1983, como se defendesse a honra de Montes Claros, o autor faz um acerto de contas com Guimarães Rosa. “Montes Claros me deve paixão”, teria dito o escritor de Codisburgo. Tese sem fundamento, rebate Lívio. A “hospitalidade do montes-clarence e sua proverbial boa vontade em ajudar os recém-vindos” desautorizam a acusação infame.

O que teria motivado a mágoa? Montes Claros não lhe ter fornecido os subsídios para sua obra, aventura-se Haroldo Lívio. Honestamente, não sei. Se o autor local estiver correto, aqui temos um ótimo tema para pesquisas e controvérsias.

Lívio segue adiante. Apesar de mencionar o município diversas vezes em sua obra, Guimarães Rosa nunca visitou Montes Claros. Seus contatos com a cidade teriam se restringido à convivência com Cyro dos Anjos, unidos pela literatura, engenheiro Joaquim Costa, colega dos tempos de Ginásio no Colégio Arnaldo em Belo Horizonte, e Levi Lafetá, companheiro no curso de medicina.

Ainda que breve, o encontro poderia ter acontecido. Lá pelos anos 1950, segundo Manuelzão, ambos viajaram de trem para Janaúba, passando, como tinha que ser, por Montes Claros. Mas o escritor “passou de rota batida”. Sequer desceu para tomar um café na estação. Haroldo Lívio parece indignado!

Guimarães Rosa faleceu em 1967. O reconhecimento por aqui parece ter demorado um pouco além da conta. Seria pelos motivos alegados por Haroldo Lívio? Talvez não, porque o mesmo autor tece expressivos elogios a Carlos Drumond de Andrade por fazer Montes Claros conhecida Brasil afora através de suas crônicas e poesias, mas não se vê grandes celebrações ao poeta além dos círculos escolares. Talvez o problema não seja as tretas de Rosa com a cidade, mas a condição de escritor, essa gente sem importância.

Em 1985, a Rede Globo exibiu a magnífica minissérie Grande Sertão: Veredas, fazendo o que parecia impossível, traduzir o clássico de Rosa para as telas. O norte de Minas foi projetado para todo o Brasil ver. Algo mudou de ali em diante na sua relação com o escritor? Pode ser. Novamente, não sei. Mas sei que desde 2008, quando se comemorou o centenário de Guimarães Rosa, seu nome, seus versos, seus neologismos, se tornaram frequentes em epígrafes de monografias e teses, em textos da imprensa, nos logradouros públicos e nas redes sociais. Parece que muita gente não leu o autor, mas se sente à vontade para citá-lo. É a lógica e “ética” da vida virtual. Viver é muito perigoso, bem dizia Ribaldo.

Mas deixando a superficialidade de lado, para inverter o verso de Belchior, e voltando para as instigantes teses de Haroldo Lívio, se dívida houve para com o escritor, parece que a fatura está liquidada. Ou não, porque ela nunca teria existido. Não sei. Mas sei que Guimarães Rosa merece as homenagens que recebe. E vou treinar uma forma de dizer isso para meu colega de pedal, aproveitando os estímulos do Parque Sagarana.


INDEPENDÊNCIA

Neste ano do Bicentenário da Independência do Brasil, estamos vivendo o tempo das revelações de amor à pátria.

Uma pátria para os brasileiros foi o grande sonho no período colonial, cuja realidade começou a ser tratada com o Areópago de Itambé, em São Paulo, fundado por Arruda da Câmara, em 1796, ou seja, um tribunal de magistrados, sábios e literatos, onde se iniciou a doutrinação do povo, tornando irreversível o Grito de Independência em 7 de setembro de 1822.

Naquela ocasião Muniz Tavares profetizou: “Dia virá em que a lembrança desse feito será feriado nacional”.

Em 1807, com o objetivo de expandir seu poder sobre o continente europeu, Napoleão Bonaparte, ditador francês, planejava uma invasão sobre o reino de Portugal. Para escapar dos franceses, a família real portuguesa transferiu-se para o Brasil, que se tornou o centro do Império Português.

A fixação da corte no Rio de Janeiro deu origem a inúmeras consequências políticas e econômicas, dentre as quais a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido em 1817. Cinco anos depois, com as reviravoltas da política européia e o fim da era napoleônica, uma revolução explodiu em Portugal; as elites políticas de Lisboa adotaram uma nova Constituição e o rei D. João VI, com medo de perder o trono, voltou do Rio de Janeiro para Lisboa, deixando aqui o seu filho, D. Pedro I, na condição de príncipe-regente.

Todavia, as cortes de Lisboa, não aprovaram as medidas adotadas por D. Pedro I para administrar o País, queriam recolonizar o Brasil e passaram a pressionar o príncipe a retornar para Lisboa. A reação dos políticos brasileiros foi imediata, entregaram ao regente uma carta com aproximadamente 8 mil assinaturas solicitando sua permanência no Brasil.

Em 1822 a situação política em São Paulo era de muita tensão. José Bonifácio tinha um alto prestígio junto ao príncipe, sendo assim, o convenceu a fazer uma viagem do Rio de Janeiro para São Paulo, e D. Pedro I designou sua esposa D. Leopoldina, para assumir o governo como regente provisória. Em São Paulo, o príncipe tentava acalmar os ânimos e conquistar a simpatia e a confiança de portugueses e brasileiros. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro chegavam novos decretos da corte de Lisboa, cancelando vários dos seus atos, impondo-lhe novo ministério e dando ordens para que fossem processados criminalmente todos aqueles que tivessem contrariado as ordens da Metrópole.

O Conselho de Ministros, com o consentimento de D. Leopoldina, resolveu enviar a D. Pedro I os decretos vindos de Portugal. D. Pedro I estava a caminho de São Paulo, regressando de Santos e os portadores dos documentos o aguardavam na estrada da cidade. Nas proximidades do Riacho Ypiranga, no alto de uma colina, foram entregues ao príncipe os decretos vindos de Lisboa e as cartas de José Bonifácio e de D. Leopoldina. Diante de tal situação, D. Pedro I se viu numa encruzilhada, e no dia 9 de janeiro de 1822, a sua resposta foi: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”. Ao ler os decretos que lhe diminuíam a autoridade, D. Pedro I teve um choque emocional e bradou:

“Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte”. Nesse momento o Brasil se separou de Portugal, e esse “grito” não se exaure jamais.

A Independência do Brasil, em 7 de setembro de 2022 estará completando 200 anos, e há de repercutir por todos os tempos, de geração em geração.

Até hoje, cada 7 de setembro é momento para se dar o “Grito dos Excluídos” e lutar por um país mais justo, fraterno e soberano.

Só após 3 anos, mesmo assim, debaixo de forte pressão diplomática exercida pelo Reino Unido, para Portugal, em 29 de agosto de 1825 reconhecer a Independência do Brasil. O momento era de transição, a partir da assinatura do Tratado de Amizade e Aliança entre Brasil e Portugal, o futuro entrou em nossa sala, já não era mais uma profecia, e sim a realidade.

A construção de um caminho firme em busca da unidade do Brasil foi conquistada por D. Pedro I, sob o título de “Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”. Daí por diante, em cada 7 de setembro “quão contente a mãe gentil comemora a sua liberdade”.

Porém, Portugal, para reconhecer a Independência do Brasil, repassou para nós sua dívida com a Inglaterra. Assim o Brasil nasceu devendo... E não parou por aí. Ainda hoje há brasileiros ricos que preferem aplicar suas fortunas lá fora em paraísos fiscais.

Agora, ao comemorarmos o Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022, bradamos bem alto: “Viva a Pátria!!!”, e hinos de amor devem ser cantados em todos os quadrantes da Nação Brasileira!


MONTES CLAROS DE FORMIGAS

Anote a data: no dia 16 de outubro de 2022 Montes Claros terá 190 anos de emancipação político-administrativa. Quando a cidade fez 150 anos, muitos dos 150 homenageados saíram das ruas que nomeavam para desfilar com seus feitos, mas também havia pessoas vivas, que se podia encontrar nas esquinas. Então, se passou uma década e meia e a cidade fez 165 anos em três de julho.

A montes-clarense Milena Narciso cantava: “Montes Claros/ Vovó Centenária/ está tão bonita/ de vestido novo/” (Luiz de Paula Ferreira), para explicar que, pintando suas casas, os cidadãos se prepararam para o Centenário.

O januarense Alcides Alves da Cruz era o “montes-clarense” mais fanático que já existiu. Foi contador, jogava futebol, era amigo de Hermes de Paula, médico e historiador que dirigiu o Cassimiro de Abreu Futebol Clube e foi quem coordenou o Centenário. O nome do Pentáurea Clube, outra criação de Hermes, dizia Alcides, significa cinco bodas de ouro, referentes aos 250 anos da fundação da Fazenda Montes Claros (1707 a 1957).

Em 1955, depois de aprofundada pesquisa, Hermes de Paula descobriu dados sobre a Sesmaria recebida por Antônio Gonçalves Figueira em 1707, que “afazendou-se” na Fazenda Montes Claros e os cem anos de cidade a serem comemorados em três de julho de 1957. Sabia que a emancipação ocorrera em 13 de outubro de 1831 – instalação da Câmera Municipal em 16 de outubro de 1832, e que o centenário de vila já havia sido comemorado. O escritor Haroldo Lívio escreveu sobre o “Inventor do Centenário” falando da elevação a cidade em 1857.

Os preparativos do Centenário duraram dois anos. Uma obra importantíssima de 600 páginas e contendo as duas datas foi escrita por Hermes de Paula: “Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes”, sendo a mais pesquisada e citada em âmbito acadêmico; foi construído o Colégio Marista São José e o Parque de Exposições João Alencar Athayde; aconteceram avanços urbanísticos e uma arrancada civilizatória.

Juscelino Kubitscheck, presidente da república e Bias Fortes, governador de Minas Gerais vieram ao evento. O prefeito de Montes Claros era Geraldo Ataíde. A cidade não tinha hotel para hospedar essas figuras ilustres, que ficaram nas casas dos organizadores. A festa constou de desfiles, representações folclóricas, rodeios, cavalhadas, leilões de gado, inaugurações, baile de gala e muitas promessas.

Hermes de Paula convidou Maria Inez Narciso, então aluna do Grupo Escolar Gonçalves Chaves para abrir o desfile de rua vestida de formiga. Maria do Rosário de Souza Narciso, sua mãe, confeccionou sua roupa que constava de um solidéu com antenas no alto da cabeça, um colete prateado com mangas armadas, uma blusa preta de mangas compridas, calças compridas justas e sapatos pretos. Portava um bastão nas mãos e fazia piruetas ensinadas pela sua professora. Formada em Pedagogia, anos depois, Maria Inez foi diretora da Escola Estadual Antônio Gonçalves Figueira, o fundador da cidade.

A comemoração do Centenário trouxe expectativas, mas o crescimento só chegou na década de 1970, com a industrialização, isenção de impostos proporcionada pela SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e o asfaltamento da rodovia para Belo Horizonte.

Há falsas polêmicas sobre as datas comemorativas do município. Antônio Gonçalves Figueira, da Bandeira de Fernão Dias Paes, obteve em 1707 a sesmaria de uma légua de largura por três léguas de comprimento, nas cabeceiras da margem esquerda do Rio Verde Grande, mais tarde Fazenda de Montes Claros, maior centro comercial de gado do norte de Minas. O Arraial de Formigas ampliado no entorno da capela construída por José Lopes de Carvalho tornou-se Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José de Formigas, que depois, unindo-se à Fazenda Montes Claros emancipou-se, formando a Vila de Montes Claros de Formigas e, por fim, a Cidade de Montes Claros (1857). O nome é referente a uma serra clara de xistos de calcário e pouca vegetação, serpenteando o local. O nome Formigas anexado a Montes Claros durou 25 anos, mas Arraial de Formigas fixou-se, por tradição histórica, como nome primitivo de Montes Claros. Saiu de cena o formiguense, estabelecendo-se o montes-clarense.

De 2017, o livro “Montes Claros: Memórias do Centenário” de Rogério Othon e Luciano Pereira conta as movimentações festivas, com recortes de reportagens, especialmente do extinto jornal Gazeta do Norte e publicações em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. São mostradas crônicas dos cem anos escritas por Hermes de Paula, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Anderson Magalhães, Maria Antônia Alkmim, Haroldo Lívio e Yvonne Silveira.

Com estimados 417,5 mil habitantes (2021) e a 422 km de Belo Horizonte, por existir onde está, Montes Claros é o milagre do trabalho do seu povo. Que se possa usar o passado dos vultos desta terra para enaltecê-los, arrancando das suas lutas o estímulo para avançar rumo ao futuro promissor, não para poucos, mas para a maioria da população da cidade.


AS FESTAS DE AGOSTO EM SÃO ROMÃO

Assim como tem as Festas de agosto em Montes Claros, que é a maior expressão cultural da cidade, quando as ruas se enchem de pessoas de todas as idades para verem e aplaudirem os cortejos que passam, em São Romão, minha terra, também seu ponto alto nas festividades de agosto, lá chamada a “Festa de Nossa Senhora da Abadia”, pelo fato do dia 15 de agosto ser o dia da Assunção de Nossa Senhora. Ao contrário de Montes Claros, nesse dia comemora-se apenas esse fato. Em outubro, a história se repete para comemorar Nossa Senhora do Rosário e em maio, a Festa do Divino (Divino Espírito Santo). São três festas ao invés de uma apenas.

Na festa de Nossa Senhora da Abadia, o rei e a rainha são crianças, que desfilam pela cidade com seus pajens até à Igreja onde se celebra a missa. Na festa de Nossa Senhora do Rosário, rei e rainha são adultos e é uma grande festa, onde filhos de São Romão que moram em várias cidades, notadamente em São `Paulo, para onde foram em busca de trabalho, voltam para assistir e participar da festa.

Na festa do Divino não são reis ou rainhas, mas o Imperador e a festa também é de arromba.

Vendo um vídeo da festa desse ano, fiquei observando a diferença. Lá os catopês de Montes Claros são chamados de “caboclos” e as roupas são muito simples: saiote de palha e blusa de malha. Na cabeça ostentam os capacetes com penas e a maioria desfila de sandálias havaianas ou até descalços. Nas minhas lembranças de infância, acordávamos bem cedinho para ver os caboclos chegarem. Vinham cantando “Caboclim que vem de cima, quali é sua missão...” e acompanhando o ritmo com seus arcos e flechas improvisadas pelo Rio São Francisco, dentro de uma lancha grande, o ajoujo. Todos corriam para o porto para ver os caboclos chegarem.

Além dos caboclos, tem também os congados. Estes vestem uma saia branca comprida e uma espécie de pelerine sobre os ombros e na cabeça um capacete coberto de espelhinhos pequenos. Todos levam pequenos pandeiros para acompanhar o ritmo da música. E cantavam: “O padre vigário mandou me chamar, para a crôa do rei, mandou me chamar”, enquanto fazem evoluções nas ruas acompanhando o cortejo do rei e da rainha ou do imperador.

Os cortejos são acompanhados pela Banda de Música, também formada por pessoas do povo, trajando roupas simples.

Mas o que mais me encantava nos meus tempos de criança eram as Bandas de Música. Eram duas: A Banda Velha, formada por integrantes da família Bispo e regidas pelo mais velho, o Manoel Bispo, que era o escrivão da cidade e que tinha uma letra linda e ilegível (minha certidão de nascimento é uma prova). A outra era a Banda Nova, formada por outros músicos. Não havia rivalidade entre elas. Em São Romão não havia escolas de música, era um dom inato das pessoas da minha terra.

Em datas religiosas ou cívicas, as Bandas faziam a “Alvorada”. Saiam pelas ruas ainda de madrugada tocando lindos dobrados e eu me lembro que nós ficávamos nas janelas da minha casa para ver a Banda passar. Meu tio era um dos músicos e muitos eram também parentes.

Naquela época, poucos estudavam, de vez que em São Romão só existia o curso primário. Meu pai fez questão de que eu e meu irmão José Reinaldo fossemos para Pirapora fazer o ginasial, depois de passar por um exame de admissão, que era o costume. Nas primeiras férias que tivemos, assim que chegamos de viagem, logo à noite, uma das Bandas foi nos visitar, tocando perfilada na rua em frente à nossa casa. Era um acontecimento importante, apenas um curso ginasial, no início dos anos 50.

Fui criada e embalada na infância pelas Bandas de Música, por isto tenho paixão por elas e me emociono sempre ao vê-las e ouvi-las tocar.

Anos depois, os antigos músicos foram morrendo e as Bandas foram acabando. Mas eis que surge o também apaixonado Mário Torres, filho do icônico João Torres e sem entender nada de música, reúne jovens, compra instrumentos e forma uma nova Banda que existe até hoje.

Quando fomos a São Romão, em uma reunião da ACLECIA, onde fiz o elogio do meu patrono, o João Torres, a Banda nos recebeu no porto do rio e sem sombra de dúvidas e todos afirmam, foi a melhor reunião que já houve daquela Academia.

Quando fui a São Romão nesse ano, para a inauguração do novo Forum, vi emocionada a nova Banda tocando o Hino Nacional. Fiquei arrepiada de emoção, ao ver que o sonho do Mário Torres, seu criador e hoje já falecido, ainda permanece de pé.

São tradições passadas de pais para filhos e é gratificante a gente ver que os mais novos não as deixaram morrer.


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Glossário:
1.“Caboclim que vem de cima. Quando havia navegação no Rio São Francisco, os vapores que vinham de Juazeiro (BA) eram conhecidos como os que vinham de baixo e os que vinham de Pirapora (MG) os que vinham de cima. Como os caboclos se reuniam em um local chamado Pedra Grande, a poucos quilômetros acima de São Romão, para depois virem de ajoujo, daí a música: ”Caboclim que vem de cima”. 2.“mandou me chamar para a crôa do rei...” Significava: foram chamados para a coroação do rei


VIAJAR A MONTES CLAROS A CAVALO

Minha mãe, Alzira Andrade da Silveira, nasceu em 4 de março de 1919 em Vila de Brejo das Almas, hoje Francisco Sá. Seu pai João Pio Alves da Silveira nasceu também no Brejo, e sua mãe Maria Augusta de Andrade Câmara, em Montes Claros. O pai faleceu em 1920, deixando-a órfã com apenas um ano de idade. Seu avô materno, Moisés Domingues de Andrade, residia em Montes Claros e sempre mandava buscar a filha Maria Augusta e os filhos (Augusta, Antônio, Adelina, Ataíde e Alzira) para passar temporadas com ele. Ainda não havia estrada de rodagem, ligando Francisco Sá a Montes Claros. O trajeto era feito a cavalo. Segundo narrava minha mãe, a viagem começava muito cedo, não sabe a hora exata, pois sua família não possuía relógios. Sendo ela a caçula e ainda muito nova e pequena, ia montada no cabeçote do cavalo, sentada em um travesseiro, animal guiado por Zé Moleque e às vezes pelo tio Tonico. A viagem durava cerca de dois dias e meio. Havia um cavalo que levava os alimentos, utensílios para cozinhar nas paradas e as trouxas com roupas. Sem condições de carregar malas, que se adaptavam aos arreios.

A primeira grande parada era na propriedade de Zezinho do Caititu, onde se arranchavam para alimentar e dormir. Zezinho do Caititu, oferecia hospedagem aos viajantes com alimentos, se necessário e os colchões para dormir, incluindo uma cachacinha que quem apreciasse. O jantar normalmente compunha-se do básico feijão com arroz, dois tipos de carne e duas verduras. Os cavalos eram soltos e alimentados em uma manga próxima. A esposa do Zezinho sempre oferecia uma sobremesa, quase sempre o doce de leite feito com rapadura, que era delicioso. Açúcar de cana por aqui era coisa rara e cara. No café da manhã servia o café forte com leite e as quitandas que a minha mãe fazia para a viagem: biscoito de goma, brevidade e bolo de fubá. Após tomar o café da manhã, os viajantes seguiam para o segundo longo dia de jornada.

A segunda parada para descansar e almoçar era no Tamanduá, onde hoje está erguido o Posto de Combustível Chimba. Um lindo lugar, com todo o conforto do mundo. Destacava-se ali uma grande árvore chamada pau d’óleo, nome também para a referência do local: Fazenda Pau d’Óleo. Aproveitando a imensa sombra da árvore, ali era improvisado o fogão onde se cozinhava o pequeno almoço: arroz com carne, verduras e carne de sol para completar a refeição. Hora também de saborear a paçoca levada de casa Servia-se também um café forte, em copos esmaltados com lindos desenhos.

Quando a tarde vinha chegando e já tinham cruzado o Rio Verde, era hora de parar para o jantar e para dormir. Havia uma rancharia onde passavam a noite, já com vontade de chegarem ao destino. O dono da rancharia era também uma pessoa amável, que tinha um carinho especial principalmente para com as crianças, o cansaço era latente em todos. Acontecia o mesmo ritual: jantar composto de arroz e feijão, um saboroso frango caipira de canelas amarelas e mandioca cozida. Depois, já era a hora de dormir.

Pela madrugada continuavam a viagem para alcançar Montes Claros mais cedo. Quando o dia raiava, primeiras luzes de um sol brilhante, estavam chegando à casa dos avós, sempre bem recebidos com toda atenção e carinho. Os cavalos eram soltos para descansar na fazenda de João Câmara, hoje Bairro Melo.

José Moleque voltava para Vila de Brejo das Almas com a missão, de tempos depois, voltar para buscá-los.

Este fato foi repetido durante muitos anos. Finalmente, foi construída a estrada de rodagem e eles passaram a ir de caminhão. Os primeiros donos de caminhões foram Gonçalo Paixão, Juca Fernandes, José de Bernardino e Sizínio Ribeiro. Os veículos quebravam quase sempre e tinham que ficar no mato esperando por muitas horas para ser consertado, por isso era necessário levar alimento e roupa para aguentar a espera. Vieram também os automóveis, os fordinhos de bigode, de propriedade de José Antônio e Antônio Preto.

O surgimento dos primeiros carros na Vila Brejo das Almas, foi um fato marcante. Houve muita admiração e até muito medo. Algumas pessoas se escondiam, apavoradas com aquelas máquinas. Outras, entusiasmadas, chegavam a vender galinhas e porcos para terem o prazer de dar uma volta naquelas máquinas fabulosas e encantadoras.

Na década de 1940, Miguel Miranda comprou uma jardineira e fundou a Viação Santa Rita, que fazia o trajeto entre Francisco Sá e Montes Claros em mais ou menos 4 horas, quando tudo ia bem. Nessa época minha mãe já estava casada com seu primo Antônio Alves da Silveira.

No Rio Verde, havia uma parada no Café de Coelho, onde as pessoas se alimentavam e usavam o banheiro, que era chamado de casinha, bem no fundo do quintal. Há um fato em destaque na família do comerciante Coelho: sua esposa deu à luz duas filhas siamesas, o que era um acontecimento realmente inédito. As crianças foram examinadas pelo Dr. João Valle Maurício e foram levadas para Belo Horizonte, onde só viveriam um ano e onze meses. A revista de maior circulação do Brasil “O Cruzeiro”, publicou o fato em suas páginas. Era o ano era 1956.

Com o crescimento da cidade, a estrada passou a circular na zona urbana, porém no ano de 1981, com a chegada do asfalto, foi desviada, e hoje temos a BR251 que liga o sul ao norte do país, num fluxo diário de mais de dezessete mil veículos.

Minha mãe Alzira Andrade da Silveira faleceu no dia 15 de abril de 2022, aos 103 anos, uma vida vivida com muito sentido!


PREFÁCIO

O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinhozinho de metal (...) o senhor sabe: o perigo que é viver...

Contam coisas estranhas nosso sertão querido, sem fecho e sem limites, no dizer de Riobaldo criado por Guimarães Rosa. Em sua dimensão mística, isolada e atemporal, o sertão guarda seus mistérios, seus amores e suas mortes, suas paixões e desavenças. A literatura encontra nas tradições orais uma fonte inesgotável de narrativas que abarcam qualquer sentimento e qualquer drama do homem, daí porque uma boa literatura se torna atemporal e universal. A literatura de cordel é a que mais se aproximada do mito, no sentido de uma narração original, primeva, fundadora, à semelhança do quer faziam os aedos (gregos antigos recitadores) e os griots (contadores de histórias africanos). O cordel tem sua fonte nas narrativas orais, recitadas, ouvidas, recontadas, e amplia seu repertório pela capacidade criativa do cordelista. O múltiplo escritor Dário Teixeira Cotrim segue essa tradição e recria a trágica morte da bela Leocádia, motivada por ciúmes e inveja, abrindo a coletânea, assim como outras histórias de crimes, em um cenário típico do sertão, protagonizado por coronéis, tenentes, homens valentes, evocando ainda o imaginário popular, as crendices e superstições do sertanejo. A linguagem das narrativas todas acompanha o falar desse povo, rica de expressões corriqueiras e de invenções comunicativas objetivas, imediatas, por meio das quais logo se identifica o matuto, o homem do interior, distante do litoral e das capitais. Os espaços narrativos criados por Cotrim se revelam na barbearia, na loja, no bar e complementam a arquitetura das 16 histórias articulando, pois, o texto, a linguagem, as personagens e o contexto, o que garante à coletânea, aparentemente diversa, uma unidade temática e de representação de identidades sertanejas, próprias do gênero literatura de cordel. Mas não é demais lembrar o leitor que o autor desses textos é nordestino de Guanambi, Bahia, lugar tão rico de arte e de cultura popular, de onde, certamente, herdou a paixão pela literatura e pela história das gentes diversas. Assim, elementos da história oral, da arte e da culinária nordestina também se mostram nessas páginas, exatamente pelo conhecimento profundo que o seu autor tem de experiência e de leituras que fizeram dele um inquieto e ávido leitor e escritor de tantos e tantos livros nos mais variados gêneros: poesia, conto, crônica, biografia, história, ensaio, cordel. Ora viva e reviva! ora viva e reviva nosso amigo e escritor Dário Teixeira Cotrim!


 

FESTAS DE AGOSTO

Certamente o mês de agosto é portador de muitas festas; são muitos os eventos que se desenrolam nesse mês; mas em Montes Claros as festas de agosto têm um caráter diferente das outras festas. A cidade está enfeitada com fitas coloridas, distribuídas pelas ruas da cidade, como se fossem bandeirolas.

Elas colorem a cidade trazendo aquela beleza que paira no ar; o sol com seus raios dourados nasceu com mais vigor no dia da abertura trazendo mais calor para abrilhantar a tão esperada festa de agosto. Ele ilumina as ruas, ilumina as fitas, como que soltas a se balançarem sopradas pelo vento ondulado, que as reviram para lá e para cá deixando-nos a ouvir o bailado delas.

É o maior evento popular-cultural que sacode Montes Claros de norte a sul, de leste a oeste. A festa foi aberta no dia 16, terça-feira com o terno de nossa Senhora do Rosário, liderado pelo mestre Zanza Júnior, que no dia 11 quinta-feira teve um preâmbulo no Sesc Montes Claros, na abertura do Sonora Brasil.

“O Sonora Brasil é um projeto temático que tem como objetivo trazer ao público expressões musicais pouco difundidas que integram o amplo cenário da cultura brasileira.

O caráter histórico e documental deste projeto viabiliza a proposta do Sesc dentro da ação programática de cultura ao se constituir como uma ferramenta de enriquecimento intelectual dos indivíduos, propiciando-lhes uma consciência mais abrangente e aberta a meios mais estimulantes e educativos da aquisição da cultura universal”. Revista Sonora Brasil – Carlos Artexes Simões – Diretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc.

Quando os catopês vêm com o seu sapateado o asfalto vibra, as árvores balançam ao som dos tambores e pandeiros e, nós nos emocionamos com o canto nostálgico deles indo e vindo, vindo e indo se entrelaçando uns nos outros e voltando-se aos lugares de origem sem nenhuma perplexidade num compasso simétrico, matemático ao som das vozes e dos instrumentos, que nos enlaçam, que nos sensibilizam fazendo escorrer no semblante grossas lágrimas de emoção.

Montes Claros é um pulsar cadencioso do coração, é um circular sanguíneo que não há quem não discirna: catopê tá no sangue dos montes clarenses; tá no sangue dos que amam o belo, que trazem a beleza da sensibilidade e do sentimento de amor, alcançados pelo batuque, pelos passos ritmados e pelas vozes bem colocadas de homens e mulheres, que buscam preservar a tradição, conservar o folclore e valorizar a história ancestral para as gerações futuras.

Salve os catopês! 181 anos na lida, na luta pela permanência do maior evento popular cultural embelezando os claros montes de minha querida Montes Claros


SILVANA MELANA, TAMBÉM MINHA MÃE

Já na minha experiência de cinco dias de vida, na praça do Mercado em São João do Paraíso, Silvina chegou para ficar e fazer parte da família até que deixou este mundo. Uma vida inteira de verdadeiro amor e dedicação a todos. Tratava minha mãe de Anália, meu pai de Compadre Zeca, a todos pelo nome: Alaíde, Nilza, que morreram criancinhas, e depois Nair, Dercy, Jurandi, Vilmar e Deldy. Os outros, pelo apelido de criança ou da vida toda: Wandinho, que sou eu, Diquinha, Dalva, Wandinha. Nair, às vezes em Nai; Jurandi, Jura e Deldy, Deda. Meu nome para ela só passou do de batismo depois da minha matrícula na escola, mesmo com algumas mudanças, porque em Salinas, eu era Wander; e em Taiobeiras, Arrudinha. O nome dela sempre Silvina para todos, só Diquinha e Dalvany a chamavam Silva.

Silvina foi fazer parte da nossa família quando desistiu do marido que fora para São Paulo e nunca mais deu notícia. Tendo só uma filha, deixou-a com uma parenta, e aceitou o convite de Dona Anália, que tinha na época dezoito anos, número da minha diferença de idade com ela. Casou-se com treze, e eu só vim nascer cinco anos depois, ela praticamente sem experiência de lavar e limpar menino. Aí, Silvina chegou para cuidar de tudo, da casa e do filho. Começando por mim, toda a filharada dormia no mesmo quarto que Silvina. Ela carregava e lavava os urinóis, dava banho, vestia as roupas, penteava os cabelos, dava os remédios, ensinava a rezar, dava verdadeiras aulas de religião, pois sabia quase tudo de bíblia. Aprendemos a comer pelas mãos dela, que adorava fazer capitão e colocar na boca de cada um. Nunca nos deixou esconder carne debaixo do angu, nem comer com uma colher maior do que as dos outros, porque saber viver honestamente era coisa séria. Sabia muito da história hebraica e cristã, porque, criancinha na casa de um parente (Clemente Batista), ele lia a Bíblia em voz alta e gostava de comentar tudo para que todos guardassem na memória. E Silvina guardou tudo na consciência e no coração, tornando-se assim uma competente professora de fé, de uma didática que nunca esquecemos, principalmente Nair e eu, os mais velhos.

As roupas dela foram sempre diferentes, preferindo um tipo de saia comprida com franzidos e pregas, além de um babado na barra. A blusa sempre branca, que ela chamava de camisa de morim ou de americano, conforme o tecido. As saias podiam ser de qualquer cor, quase sempre escuras, de um só tom, que podia ser pintadas com tintol em água fervendo. As blusas, com gola arredondada, eram embelezadas com rendas de vários modelos, que ela mesma fazia na almofada de bilros. Para ir às missas, aos domingos, só serviam as saias e camisas consideradas novas, pois tinha que ser roupa de ver Deus. Depois de lavadas com sabão feito por ela mesma, com óleo de mamona, passava tudo com o ferro de brasas, soprado de tempo em tempo. A verdadeira festa era fazer as rendas, quando ela batia os bilros uns nos outros, como se fosse uma dança mágica, enquanto cantava músicas da igreja. Claro, que a meninada ficava toda ao redor, acompanhando e admirando tanta habilidade.

Um encanto quase divino e inesquecível!

Silvina sabia também muitas histórias de reis e rainhas, prín - cipes e princesas, capitães valentes que defendiam os palácios com espadas e bengalas, todos vestidos com muitos enfeites, engalana - dos para dar mais força e autoridade. Os banquetes, nos palácios, eram sempre com carne de caças ou peixes que vinham de longe, um mar tão distante que ela nem sabia onde ficava.

As maiores autoridades eram sempre os bispos e cardeais, cada qual mais cheio de pompa, de forma a representar Deus Nos - so Senhor e impor mais fé e disciplina. Em verdade, Silvina cons - ciente da própria humildade e de muito respeito religioso, não ti - nha qualquer dúvida de não ir diretamente para o céu e ver São Pedro guardando a porta, deixando entrar só as almas boas. Dizia ela que nem precisava passar para o lado de dentro, bastando só ficar atrás da porta, vendo os anjos cantarem e os santos a rezando terços e rosários. Lá de vez em quando, uma alma boa e caridosa passaria pela peneira fina de São Pedro. No céu, a reza era a água e o alimento de todos, fosse dia ou fosse noite.

Todos os filhos da casa consideravam ter duas mães, a que permitiu a vida, Dona Anália, e a que conservava a vida com o maior carinho, Silvina Melana. Dona Anália sempre presente, qua - se uma santa; Silvina, uma santa de verdade, com todos os direi - tos e privilégios de inquilina celeste. Um lindo paraíso, colorido e cheio de fitas de seda, plenitude de luzes e suaves músicas apro - priadas para a eternidade. Grande Silvina!

Foi em homenagem a Silvina que Patrícia minha sobrinha, filha de Nair e Manoel, teve na pia de batismo e no cartório o nome de Patrícia Melana, o que muito agradecemos e pelo que nos senti - mos soberanamente honrados. Para Silvina, o lugar mais bonito da criação divina tem que ser o céu. O verdadeiro lugar dela!


Silvana Melana


 


O PEQUI DOS GERAIS

Thiago Valeriano Braga Associado correspondente Jacaraci - BA A paisagem rala se alegra com a chegada do mês de janeiro. O capim parece mais macio, branco e envergado pelo vento rosnando entre as plantas raquíticas da caatinga. Tê-la-á como retrato do sertão escaldado pelo calor que derrete a fronte e não nos deixa piscar diante do sol amornado de quinta-feira a tarde. O que é ali? Uma árvore vesga ‘um tantinho especial’ exibe o fruto que, em ‘pencas’, sacode no galho perpassado pelas folhas-conchas ‘miudinhas’: o pequi. Alimento rico em nutrientes, sabor e cheiro delicioso. Prato de dá água na boca. Difícil resistirmos á esse atrativo natural chamado ‘estar com fome, mesmo de barriga cheia’, quando o desejo aperta, de encontro com a ‘doce promessa’ posta na mesa. Há quem não goste, evidentemente.

Época boa e de fartura. Período festivo para camponeses. Pouco depois do Termo de Reis. Pequi daqui, pequi acolá. O gado pardo, em rateio, come a sobra da casca (quando esse despenca no solo). Mastigam com gosto a refeição mista [unta outras coisas dispersas]. Na falta de pasto, pedaços de terra reservados para esse fim, suprem a nEcessidade eventual para ‘solta dos bois’ ou animais de esteio. Quanto ao pequi, algum prazer ou traquejo inspirado na boa fama . Do caroço amarelo, em amostra, se tem a polpa – desprezada – já que o gostoso, mesmo, é o miolo pronto para roer. Saboreá-lo requer alguns cuidados com os espinhos pontilhados de vermelho que podem se agarrar á língua, na hora de provar a raspa gordurosa quase ‘amanteigada’. Suave condimento. Rende de tudo um pouco e o pouco vira muito, garantindo satisfação do provador.

A colheita é certa. Perspectiva sadia tipo ‘comida para todos’. Enche a mão e o balaio do colhedor á espera de recompensa. Atividade extra-agradável. Não exige muitos esforços. Basta jeito, paciência e capricho. Trabalho separatista. Feito com desvelo, acredito. Montes Claros, em particular, bem como Jacaraci, na região fronteiriça Bahia/ Minas Gerais, sabem o valor do pequi, fonte de renda temporária e símbolo da monocultura dos dois lugares ‘casados’ pelo clima, vegetação e herança geográfica. Pequi, raridade com peso na balança módica. Coisa fina. Culinária a moda antiga. Comida de ricos e pobres. A sua falta, portanto, causa-nos tristeza, além de uma lacuna para a economia regional. Virou, aliás, espécie de ‘iguaria’, presente nas feiras livres. Vistoso, bonito e apresentável. Disputa espaço com alguma outra novidade que se acanha diante do vilão da cozinha interiorana. Ganha-nos em arte, preferência e validade. O tempo não lhe apaga. A menos que seja ‘extirpado’ pelo machado. Se assim o for, uma perda para nós, amantes da DIVA VERDE.

Algo típico dos gerais, mata rasteira, ‘derrubada pelo vento’, em acordo perfeito com vidas sertanejas. Regalo da natureza. O pequi, em suma, representa o próprio sorriso da nossa gente: sorriso da conquista, do labor, da coragem e pela luta de dias melhores. Um porvir que tarda em chegar. O agrado em forma de goma massuda... Não é plantado, aliás. Brota de maneira lenta, compassiva, ‘se espichando para os lados’ e pouco querendo galgar as nuvens. Demora mas, com facilidade, se remonta em tronco, folhagem e sombra farta. Grande, em tamanho, larga devido a presença robusta. Sua madeira é cascuda, crespa, sinuosa e torta. Contornos agressivos. Toda rajada. Oferece assento ao pintassilgo fanhoso de pouso inconstante. Se sucumbe ao ‘canto da despedida’, ‘ano que vem tem mais’, em referência a próxima colheita.

Serviço delicado para as formigonas famintas, ‘em fila de quartel’, buscando inteirar-se com o próprio alimento. São elas, teimosas, na árdua tarefa ou faina de guardarem provisão antes do inverno. Não dispensam, acredito cousa suculenta [em comento]. Arvorezinha bem- -posta. Entregue ao horizonte vazio daria uma bela proposta de tela. Pequizeiro, planta-raiz d’ algum oásis maravilhoso que nos enche os olhos e o coração pela sua qualidade, de ontem, agora e talvez amanhã. É de bom tom reconhecermos a sua importância trazida pelas primícias da estação fugindo de tempos em tempos pelos ciclos do meio ambiente.

Jacaraci e Montes Claros se parecem pelo bom gosto, vocação para o trabalho e ganhos advindos da natureza.


BENDITA DONA DITINHA

Bendita Dona Ditinha, que em sua vida tanto amor semeou. Mulher simples que, pela sua entrega e imensidão do seu coração, emanava a luz de Deus.


Ditinha em 1936, aos 17 anos

Mulher forte, de princípios éticos e morais e conduta exemplar. Suporte não só para a dúzia de filhos que gerou, cuidou e educou, mas para tantos outros que acolheu no seu lar, nos seus ombros e até no seu colo, dando-lhes um rumo e um norte. Esposa dedicada, sempre a mostrar ao marido paixão, lealdade e cumplicidade. Educadora, muito além de simples professora transmissora de conhecimentos, que teve sob sua responsabilidade a formação e a condução de inúmeras crianças e pré-adolescentes para uma vida fecunda em sociedade. E que, como cidadã do bem, múltiplos papéis voluntários exerceu nos círculos a que pertenceu, tamanha era a sua vontade de servir. E eu, aqui na minha insignificância e embora suspeita por tantas reverências, elevo os olhos ao Céu e agradeço a Deus o privilégio de a ter tido como minha mãe.

Para Sempre

Por que Deus permite
Que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

 

Os anos passam, a saudade dói, a lembrança é eterna. E nós, que aqui ficamos na expectativa de um dia reencontrar Dona Ditinha no outro lado do mundo, assumimos intimamente com ela o compromisso de cultivar sempre a sua memória para deixá-la viva no meio de nós e fazê-la conhecida e presente junto aos descendentes que foram privados do seu toque de vó, bisavó, tataravó. Como fazer isso? Preservando e transmitindo seu legado de valores, princípios e conduta; propagando as suas histórias de vida, que tantos ensinamentos trazem; convertendo as suas fraquezas e limitações em saberes, porque eles também são exemplos para a procura da perfeição; fazendo soar sempre aos quatro cantos os nossos louvores de agradecimento e nossas declarações de amor...

É diante deste compromisso e movida pelo sentimento melancólico da saudade que tentarei dar uma ideia das bem-aventuranças vividas por Dona Ditinha, enquanto partilhamos do seu convívio. Isto sem ousar correlacionar as suas bem-aventuranças às proclamadas por Jesus para alcançar a santidade – estas são praticamente impossíveis alcançar. O que quero é, sim, realçar as suas atitudes interiores e exteriores provedoras de amor, paz, desprendimento, justiça e compaixão, atitudes que, ao meu ver, também são caminhos para alcançar o Céu ao lado de Deus Pai.

As bem-aventuranças da maternidade, da austeridade e do respeito

Por si sós, os doze filhos gerados, paridos, amamentados, criados e educados assegurariam a beatitude da maternidade a Dona Ditinha. Mas, fato maior que ser mãe cuidadora e protetora, foi também ela fazer-se pedagoga, psicóloga, orientadora, mediadora, evangelizadora e muito mais para conseguir conjuminar e manter unida prole tão diversa, quando não antípoda, em índole, temperamento, aptidões e aspirações. Uns estourados e de pavio curto; outros moderados e até compassivos. Uns espontâneos, de liderança e convívio fácil; outros um tanto acabrunhados e recolhidos. Havia filhos inquietos, às vezes até rebeldes, difíceis de se lidar. Havia os mais sonhadores, aventureiros, como também os mais acomodados. Por outro lado, como foram nascendo no transcorrer de três décadas – de 40, 50 e 60 –, os sucessivos acontecimentos históricos e as profundas mudanças culturais ocorridas no mundo e no Brasil ao longo desse período, por vezes revolucionando os valores e os costumes, os levavam a ter interesses e visões bastante diferentes. Pois, na condução dessa diversidade, Dona Ditinha sempre agia mais na razão que na emoção. Mostrava que antes de haver o “eu” tinha o “outro”, devendo desse modo haver por parte de cada um o reconhecimento mútuo: um reconhecimento não fundado no confronto ou na competição, mas na gratuidade e na relação do bem- -querer. Nunca foi de impor sua vontade aos filhos, mas queria muito, sim, que tivessem uma formação clássica, integral, não apenas de banco de escola – e nesse seu desiderato lá ia ela atrás de oportunidades de estudos outros para os filhos, como, por exemplo, formação musical. Queria também que todos tivessem aspirações – e nesse sentido bem que procurou os estimular e provocar. Não passava a mão na cabeça de ninguém, nem tinha tempo para isso. Sem muito discurso, mostrava o caminho a seguir e as responsabilidades a assumir. Com certeza, foi essa a forma que levou todos eles a procurar logo cedo os próprios meios de se virar, voar e se estabelecer na vida.


Edite e filhos no Natal de 1983: Donério, Zélia, Maria das Graças, Roberto, Edite, Felicidade, Márcia, José (de barba), Sebastião, Lourival e Carlos

Destaque-se também na relação familiar o matriarcado exercido por Dona Ditinha. Não que faltasse a autoridade do pai. Esta marcava presença, era idolatrada e muito respeitada. Mas, pelo fato de o marido ser caixeiro-viajante e ter estradas longas e inóspitas a percorrer para alcançar a sua freguesia, a sua ausência do lar era sempre prolongada. Então, o comando tinha que ser assumido pela autoridade feminina e aí ela se revelou com a sua austeridade e o seu pulso firme, pois dificilmente vacilava no que preconizava e ordenava. Cabe ressaltar que os valores da sociedade na época favoreciam uma relação respeitosa entre pais e filhos. A começar pela formação religiosa, onde o “Honrar Pai e Mãe”, como mandamento de Deus, não podia ser violado. O respeito era praticamente nato, muito pouco se fazendo necessário ensiná-lo por instruções ou palavras. Tempo em que a palavra “não” bastava por si só. Não era não e ponto final! “Respostinhas” aos pais? Jamais! Assim como levantar a voz, xingar, virar a cara, vergar os olhos, ser sarcástico. Palavra feia era pecado e tinha que ser confessada ao padre. Não me lembro de Dona Ditinha gritando ou dando palmadas. Mas, lembrança forte sempre foram os seus beliscões; aplicados geralmente de formavelada, doíam na alma, deixando no local um hematoma arroxeado que podia durar dias. O choro tinha que ser engolido. Peculiar também lhe era a repreensão no olhar atravessado, indicando um “saia” ou “cale-se”, ao filho ou filha não restando senão recolher-se em sua insignificância e sair de fininho. Mais dolorosos, no entanto, eram os castigos com a privação por horas ou dias do que se gostava fazer.

Ilustrações à parte, o que se quer destacar é que a autoridade pelo respeito, o afeto com desapego, o estímulo à reciprocidade e a liberdade com responsabilidade foram pilares essenciais para Dona Ditinha modelar tantas vidas, mantendo-as coesas e unidas. E, se tudo isso requereu dela tanto labor, desprendimento, renúncia, entrega, angústia, não há por que não considerá-la bem-aventurada como mãe.

Ave Mater Ditinha!

As bem-aventuranças da educadora, da administradora, da conciliadora

A missão educadora de Dona Ditinha começou em sua plena juventude, já lhe exigindo renúncia. Aos 18 anos, recém-formada no Curso Normal da antiga Escola Normal de Montes Claros, prestou concurso junto ao Governo de Minas Gerais para professora primária. Com a aprovação veio o ato de nomeação para o exercício do magistério na Escola Estadual José Cristiano, em Rio Pardo de Minas. Na época, os 300 quilômetros que distanciavam Montes Claros daquela cidade pareciam chegar a 1.000: estradas de barro mais de roça que de rodovia, despenhadeiros da Serra do Espinhaço a vencer, meios de locomoção bastante restritos. Era mais de um dia para chegar lá... Pois, no tempo em que as mulheres só saíam de casa pela causa matrimonial, ela arregaçou as mangas, abdicou do conforto do lar, do convívio com a família, do apego à sua terra natal e se apresentou no local de trabalho indicado, então a única escola pública existente ali. O ensino primário era dominante e havia poucos mestres para atender a grande demanda de alunos. Por isso, era quase impossível formar turmas por série e por faixa etária. Tinha mesmo era que se desdobrar nas diversas matérias a ensinar e criar, por si própria, os meios motivacionais para equilibrar interesses e comportamentos tão diferenciados. Passou cerca de quatro anos lecionando em Rio Pardo. Naquela cidade, conheceu o amor da sua vida, casou-se, teve o seu primeiro filho e, embora já bastante afeiçoada àquela comunidade e a seus alunos e colegas, um ato de transferência do Governador lhe impôs novo deslocamento. Era o caso agora de ir para Monte Azul, cidade de perfil geográfico semelhante ao de Rio Pardo, porém menor, com menos recursos e mais carências na educação. Novo ambiente, nova escola, mas a missão de sempre: alfabetizar, construir conhecimento, polir pequenos cidadãos, descortinar- -lhes horizontes. Por três anos, prestou os seus serviços a Monte Azul, não sem também se ver marcada por essa cidade, já que aí deu à luz o seu segundo e terceiro filhos, bem como construiu sólidas amizades.

Especialmente grata para Dona Ditinha foi, em fins de 1944, a terceira mudança na sua vida funcional, esta de regresso a sua querida Montes Claros. Designada para lecionar no conceituado e tradicional Grupo Escolar Carlos Versiani (hoje Escola Estadual Carlos Versiani), sentiu que aumentava o grau de exigência sobre si, mas não se assustou. Professora nas diversas séries do ensino primário, levava fama de severa mas justa, de exigente no domínio do conhecimento e de nota difícil, especialmente na escrita e na interpretação de texto, essas duas habilidades tendo sido sempre suas maiores cobranças. Era o tempo em que a avaliação se fazia de forma oral e por escrito e em que, matemática à parte, o conhecimento se demonstrava de forma dissertativa (as provas não eram objetivas como hoje). Grande estimuladora da leitura, sempre dava um jeito de criar meios de compartilhamento de livros. No campo da literatura, gostava de levar os alunos a fazerem apresentações individuais e coletivas, a exemplo da declamação de poesias de autores como Cecília Meireles, Olavo Bilac, Manuel Bandeira e Castro Alves. Tinha plena consciência de que uma boa formação no primário era, ademais, essencial para garantir o acesso ao ginásio, num tempo em que as vagas na escola pública para esse nível de ensino eram limitadas, nele só ingressando quem passasse no chamado “exame de admissão”, o vestibular da época.

Após cerca de dez anos, Dona Ditinha foi convocada para compor o corpo docente do Grupo Escolar Dom Aristides Porto (atual Escola Estadual Dom Aristides Porto), instalado para atender a demanda de ensino dos bairros da zona sul da cidade, entre os quais o Morrinhos, seu bairro de infância e juventude. Ali desempenhou variadas funções, algumas até espinhosas. Além da regência de classe, que ainda exerceu por algum tempo, veio a assumir cargos auxiliares na direção, a exemplo de supervisão de professores e de alunos, de professora eventual em suprimento à ausência de colegas, de administradora e até de orientadora educacional, já que os alunos indisciplinados e perturbadores da ordem eram encaminhados à Secretaria para repreensão, aconselhamento e o que mais se mostrasse necessário. Por ter facilidade de expressão, fazia também o papel de comunicadora, levando a escola a interagir com os pais dos alunos e a comunidade. Coroou sua carreira exercendo o cargo de vice-diretora, sempre num notável esforço no sentido de manter a ordem e a disciplina na escola, de melhorar a qualidade do ensino e de encaminhar, com segurança, os alunos para as etapas subsequentes de ensino, quando não já para o mercado de trabalho, visto que muitos eram os alunos que encerravam os estudos ao concluírem o primário. Eu, que cursei o primário no Aristides Porto e que depois retornei a ele como professora normalista, fui testemunha da grande estima e do profundo respeito de que ali ela era alvo.

Embora naquela época os professores pudessem se aposentar aos 25 anos de serviço, Dona Ditinha só se rendeu à aposentadoria quando completou 29 anos de magistério. Até que enfim, ela cedia à pressão dos seus filhos mais velhos, que preocupados vinham notando o seu cansaço.

Aos olhos de hoje, pode até parecer que a carreira descrita acima não apresente nada demais, afinal assim é o transcorrer da vida dos professores em geral. Contudo, quem viu de perto ou tem conhecimento de quanto o sistema educacional público de então padecia de limitações sabe que o magistério primário estava longe de ser fácil. De recurso didático, havia apenas o quadro-negro e giz, ficando a dinâmica da aula por conta da criatividade de cada professor. Este era o único educador numa sala com uma média de trinta alunos, não havendo fora daí nenhuma atividade de extensão. A merenda escolar era o que cada um, quando possível, trazia de casa, até que por fim o programa internacional Aliança para o Progresso, em vigor a partir de 1961, possibilitou que se servisse leite nas escolas, feito a partir de leite em pó. Mais: o trabalho em sala de aula era só a ponta do iceberg, já que em casa se tinha ora que preparar as aulas dentro do conteúdo programático a atender, ora que corrigir as provas e os exercícios feitos pelos alunos, o que sempre exigia uma virada de noite sobre papéis e livros. Não era apenas um turno de trabalho, mas sim dois e até três.

O amor ao próximo, a abnegação, a paciência, a humildade e a dedicação de um bom professor são virtudes que o credenciam na porta do Céu.

As bem-aventuranças do trabalho, da luta, da labuta

Trabalheira de Dona Ditinha não era só no desempenho da profissão, mas principalmente nas lidas domésticas, que pareciam nunca ter fim. Como provedora do lar, ela tinha não só que abastecer a casa, como também transformar os alimentos, um por um, nas refeições do dia a dia. Para auxiliá-la nos inúmeros afazeres, afora a mão de obra disponível dentro de casa, leia-se filhos, contava apenas com uma lavadeira, sempre a querida Lourdes, que a cada semana levava uma imensa trouxa de roupas para lavar na casa dela. A limpeza geral da casa, as diuturnas arrumações na cozinha, o passar a roupa que a Lourdes devolvia lavada, eram delegados à filharada, particularmente às mulheres, já que o machismo à época impedia uma maior participação dos homens, de igual para igual, nas tarefas domésticas – eles varriam o quintal, molhavam as plantas, engraxavam os sapatos, se faziam de office boy para carregar a feira ou resolver os problemas de rua. O árduo papel de cozinheira sempre foi assumido por Dona Ditinha e há quem diga que assim era para que não houvesse nenhum desperdício e a comida rendesse mais. Por longo tempo, lidou com fogão e forno a lenha, o fogão a gás só veio a dar o ar da sua graça na nossa casa na década de 60, mesmo assim a princípio timidamente, tendo de dividir os trabalhos com o bom e velho (e fumacento) fogão a lenha. Do mesmo modo em relação a vários outros eletrodomésticos utilizados na cozinha, até porque muitos ainda não existiam ou, se já existiam, permaneciam alheios ao nosso lar. Assim, exceto por um liquidificador, o trabalho com os alimentos era mesmo no braço (que o diga o almofariz, entre outros instrumentos manuais então muito usados) e, certamente, com aproveitamento integral de tudo, inclusive com transformação das sobras, pois economia era o seu lema maior. Se hoje, com tantas facilidades na cozinha, continua sendo trabalhoso e custoso preparar os alimentos, imagine-se a trabalheira que era naquela época cozinhar, todo dia, feijão, arroz, carne e verdura, sem falar na salada, para uma média de quinze bocas comilonas no almoço e no jantar!

Mas, efervescência mesmo do labor doméstico era no sábado, dia de faxina e de abastecimento da casa. Ali, sim, ela dava a prova cabal do quanto era uma gigante do trabalho!!! A labuta começava logo cedo, com a feira no mercado municipal então localizado na Praça Dr Carlos Versiani, para onde se ia e voltava a pé. Então, Dona Ditinha supervisionava os serviços da limpeza geral a cargo das meninas, nos quais exigia que todo o chão da casa fosse varrido, lavado (onde era taco passava-se o pano úmido) e encerado (o escovão, pesadinho que só, demorou a ser substituído pela enceradeira), os móveis lustrados, a roupa de cama trocada e toda a louça lavada. Dadas as ordens, assumia o seu papel de Master Chef: matava, depenava e temperava a galinha que seria cozinhada no dia seguinte como prato especial do domingo, preparava a refeição do dia e de imediato se punha a amassar o polvilho e a farinha de trigo, a dar forma e a assar a ruma de biscoitos, roscas, bolos e outros quitutes para suprir os cafés da manhã e os lanches da semana pela frente. Tinha também os doces para sobremesa, estes feitos num tacho grande de cobre, pois só assim daria pra todo mundo. Sim, a cozinheira era também doceira, biscoiteira, padeira, confeiteira, a se desdobrar num estrênuo esforço físico, conforme hoje fica mais fácil ver ao se olhar para trás. E, nesse embalo, o implacável calorão de Montes Claros ficava ainda mais escaldante, nisto aprofundado pelo abre--e-fecha dos fornos, no monitoramento dos assados. Mais difícil, no entanto, era controlar as incursões sorrateiras dos meninos “malinos”, que não perdiam a chance de surrupiar uns biscoitinhos ainda quentes. Por isso, tão logo estes esfriavam, eram colocados em latas hermeticamente fechadas e armazenados em armários trancados a sete chaves. Só com o avançar da noite é que a serviçama era dada por finda. E, por conta deste labor, de que hoje as donas de casa tanto reclamam, nunca se viu Dona Ditinha se indignar com a vida nem reclamar do cansaço.

Trabalho concentrado também ocorria quando Seu Dário retornava pra casa ao fim das suas longas viagens a serviço. Andarilho pelas estradas sinuosas do norte de Minas, a cada ponto de venda em que parava para negociar os tecidos e armarinhos dos quais era representante, ele também aproveitava para comprar mantimentos que suprissem a casa. Era compra mais no atacado que no varejo, de secos a molhados, estes últimos sendo principalmente frutas da estação, queijos, requeijões, marmeladas. Como a maioria dos produtos vinha in natura, cabia a Dona Ditinha, com o auxílio dos filhos, fazer o devido beneficiamento de modo a deixá-los em condições de uso mais fácil no dia a dia. A faina incluía atividades como: debulhar e catar o feijão; pilar o arroz retirando-lhe a casca; descascar, torrar e tirar a pele do amendoim; derreter as banhas de porco ou mesmo dar trato em peças de carne porventura trazidas (de onde saía a deliciosa carne de sol). As frutas, desde as comuns como manga e goiaba às silvestres como umbu e cajá, por serem perecíveis, tinham que ser logo processadas. Como não havia o recurso do congelamento, a solução era transformá-las em doces, estes tanto batidos como em compotas, e, às vezes, em licores para receber as visitas. Sem nenhuma margem a dúvidas, as chegadas de viagem de Seu Dário no seu Jeep de aço, depois na sua camionete e, por último, no seu caminhão, trazendo provisões no bagageiro, eram motivo de alegria geral para a família, mas também sinônimo de trabalhão à vista.

Se Dona Ditinha não foi inventora do trabalho, com certeza ela foi o seu personagem principal…

As bem-aventuranças da sociabilidade, da hospitalidade, da agregação

Sempre alegre e espontânea, Dona Ditinha gostava de receber e ser recebida. Em sua casa na rua Januária, esquina com João Pinheiro, tinha gente pelo ladrão: os filhos; sua mãe, quando ficou viúva; sua sogra, quando ia passar temporada; sobrinhos ou afilhados residentes; parentes e amigos em hospedagem frequente. Por ser Montes Claros o principal centro regional do norte de Minas, era nela que os habitantes da região iam buscar meios de estudar, se tratar (médico e hospital), fazer compras e até trabalhar. Os sobrinhos/afilhados residentes – “sobrinhos” cujo parentesco era na verdade muitas vezes distante – eram por conta do apelo dos pais para eles terem continuidade nos estudos do ginásio ou ensino médio. (Naqueles idos, contando apenas com o prenúncio de faculdades, Montes Claros nem sonhava em ser a cidade universitária em que veio a se transformar.) Como ela não colocava dificuldades para acolher, sua casa era sempre a primeira a ser procurada. Ademais, quando as férias escolares eram anunciadas, lá se vinham tanto os sobrinhos da Capital que adoravam a liberdade do interior, como os das cidades próximas, fisgados pela atração exercida pela “Capital do Norte de Minas”. Era um contraste de interesses e motivações. Por tudo isso, era comum ali ter gente das bandas de Rio Pardo, Monte Azul, Mato Verde, Janaúba, Porteirinha, Francisco Sá, Coração de Jesus, Belo Horizonte e por aí afora. Uma verdadeira “integração regional”. Era um entra e sai sem fim na casa e nas suas dependências. Quarto de hóspede? Nem em sonhos! Tinha mesmo era que haver, por parte dos filhos, abdicação do conforto de suas camas, indo dormir de valete na cama do irmão ou no sofá da sala. E, para a comida dar pra todos, não bastava apenas engrossar o caldo do feijão, sendo preciso também dobrar a receita. Era pelas mãos do Bom Deus que o escasso tornava-se abundante!

Como se não bastasse o movimento dos moradores fixos e temporários, era comum os filhos chegarem trazendo uma meia dúzia de amigos, para logo ter início uma imensa algazarra, com correria pela casa toda nas brincadeiras de pega-pega, de índio, de xerife, de casinha, de teatro na dramatização das histórias da literatura infantil e até, acredite-se, de circo, em que entre outras traquinagens pular de cima do guarda-roupa segurando o guarda-chuva aberto era o mesmo que pular das nuvens de paraquedas. Mesmo os filhos adultos se valiam do espírito receptivo da mãe para receber suas turmas, a exemplo do Tuca, gerente da distribuidora Brahma na cidade, que toda tarde de domingo reunia seus amigos em volta da grande mesa da sala de jantar, para jogar um animado carteado ao enlevo do som dos seus tão curtidos long plays românticos dos anos 60 e, obviamente, ao sabor de uma cerveja Brahma “estupidamente gelada”, conforme eles gostavam de dizer. O jogo não era a dinheiro, por isso as viradas das cartas eram sempre exaltadas com batidas na mesa e urros de alegria. A aflição tomava conta da Dona Ditinha quando a noite chegava, a turma não arredava pé, e ela sentia a necessidade de oferecer-lhes algo para jantar. E, como Maria nas Bodas de Caná da Galileia, ela apelava a Jesus por um milagre que transformasse sobras numa apetitosa refeição e, então, ela própria se encarregava de fazer o “milagre”: juntava as sobras do almoço, tascava farinha pra render mais, acrescentava uma pimentinha e assim convertia tudo num gostoso “mexidão” que, ao ser servido, encontrava a mais ruidosa e entusiástica aprovação.

Além de hospitaleira, Dona Ditinha era uma expedita festeira. Sempre agia prontamente quando o assunto requeria uma recepção, desde o infalível café servido às visitas no domingo à organização e diligenciamento das festas coletivas, a exemplo da tradicional Festa de Nossa Senhora do Patrocínio, Padroeira de Serra Nova (torrão natal do Seu Dário) e Madrinha dos seus doze filhos. Em casa, se não era costume comemorar os aniversários da família, era por falta de maiores recursos, se bem que, por conta do aniversário da filha Felicidade, enraizou-se na família a tradição de celebrar o Santo Antônio no dia 12 de junho. Quanta alegria aqueles momentos propiciavam à família, reunida com os tios, primos e vizinhos ao redor da fogueira e com todos se fartando com as deliciosas guloseimas juninas, desde bolos e biscoitos à canjica polvilhada com canela e ao milho cozido ou então assado ali mesmo na fogueira! Nas bebidas, destacavam-se o quentão e o licor de pequi, seguidos de licores de frutas, como jabuticaba e jenipapo. Nos doces, em meio a uma variedade que incluía desde doces em calda e em compota a doces cristalizados, a procura maior era pelo pé de moleque feito com rapadura. A animação ficava por conta da sanfona do Seu Dário, que caprichava nos improvisos, dando os acordes que puxavam a roda e a quadrilha com a gente vestida fantasiada de caipira, com calça, camisa e vestido de chita e chapéu de palha. Era só folia!

Festa ainda mais tradicional em sua casa, a reunir a família em volta da mesa, ficou sendo a Ceia de Natal, na noite de 24 para 25 de dezembro, com a sala decorada pelo imenso presépio que, em mutirão com a filharada, era montado logo no início do mês com folhas de jornal “engomadas” e escurecidas com o pó de carvão e a purpurina para imitar as pedras rochosas da Gruta de Belém, sendo dentro dela colocada a manjedoura com Jesus e os diversos personagens da natividade, além, é claro, da árvore de Natal, que algum filho trazia do mato. Para os pequenos, difícil era esperar até que a Missa do Galo terminasse na Matriz, pois somente então a ceia era servida. Nenhum problema que os presentes que a “Mamãe Noel” distribuía fossem mais para o simples: a fartura sobre a mesa era já um luxo em que o leitão à pururuca e o peru assado sobressaíam como pratos principais, adornados pelas frutas nobres da data, como maçãs, nozes, avelãs e castanhas. A sociabilidade da Dona Ditinha também era patente na sua extraordinária capacidade de manter vivos os laços de estima e amizade com as pessoas de sua relação, bem como com os parentes dos dois lados, seu e do marido, o que na família a fazia conhecida de todos. Em consequência, era comum parentes e amigos procurarem-na querendo tê-la como madrinha – fosse de batismo, crisma ou consagração – de um dos filhos. De compadrio em compadrio, eis que um dia, ao ser desafiada a fazer a soma, ela, até onde conseguiu lembrar, contou 72 afilhados! Por isso, onde quer que estivesse, era comum serem ouvidas na conversação palavras e expressões como “comadre”, “compadre”, “madrinha”, “bença, madrinha”, “Deus te abençoe”. E, enquanto lhe foi possível (e a renda permitiu), ela se fez presente na vida dos seus queridos afilhados: visitava-os, recebia-os em sua casa, dava-lhes presentes, aconselhava-os... Sui generis era acompanhar, no dia 25 de dezembro, a fila que se formava na porta da sua casa, dos afilhados mais carentes para receberem dela a lembrança do Natal. Sui generis também foi ela se fazer comadre dos próprios filhos, fazendo que o Tuca batizasse seu (do Tuca) irmão mais novo (Roberto), o mesmo em relação à caçula (Márcia), que tem como padrinho e madrinha seus próprios irmãos Carlos e Felicidade. Se essa opção se deveu a alguma tradição da terra, não sei. O que a mim ela cheira é que Dona Ditinha, com tantos filhos para criar, estava era delegando responsabilidade aos mesmos, caso porventura não desse conta de acabar de criar a todos.

No aspecto social, não se pode esquecer também o seu aprazimento com a cultura e as tradições da terra venerada. Não só participava fielmente das comemorações folclóricas, tão ricas na cidade, como estava sempre a levar os filhos para as ver e com elas se envolver. Paixão sua era assistir ao tradicional desfile de catopês no mês de agosto, os foliões enfeitados com trajes e atavios multicoloridos cantando e bailando pelas ruas ao som de pandeiros, violas, violões e cavaquinhos; assim como ao reisado na Festa de Santos Reis, com os cantores e dançarinos a baterem de porta em porta fazendo louvações e anunciando a chegada do Messias. Muito se comprazia também com apresentações culturais, fossem em estilo mais clássico ou populares. Por conta dessa sua identificação e pertencimento, ela sempre estimulou as filhas a estudarem música no Conservatório Lorenzo Fernandez, não se esquecendo de também oferecer oportunidades aos meninos.

“Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5:8).

As bem-aventuranças da religiosidade, da espiritualidade, da solidariedade

Religiosidade e espiritualidade sempre foram os alicerces de vida de Dona Ditinha e, com toda certeza, foi pela firmeza da fé que ela nunca se sentiu desamparada. Católica praticante, cumpria e defendia os dogmas da Igreja, praticava com fervor seus ritos e sempre conduziu os filhos dentro dos preceitos e da prática cristã. Para isso, logo cedo os filiava à catequese e aos movimentos da Igreja, a exemplo da Cruzadinha Infantil, desenvolvida à época na igreja Matriz. A missa do domingo era sagrada para todos e qualquer programação do dia só começava após o cumprimento dessa obrigação. Era por isso que ela já acordava se aprontando para ir à igreja logo no primeiro horário, às seis da manhã – as crianças tinham a sua missa exclusiva às nove horas e para lá iam de forma independente, pois sempre havia um irmão mais velho a tomar conta do mais novo. Em certos outros rituais religiosos, ela também exigia a presença de todos, sendo o caso das tradicionais procissões, desde as gloriosas das Festas dos Padroeiros, às dolorosas da Semana Santa. Tinha ainda as solenes coroações de Nossa Senhora da Igreja Matriz, nas quais ela sempre estimulava as filhas a participar vestidas de anjo. Tinha os leilões e as quermesses visando angariar fundos para a manutenção da igreja. Etc. Nas missas, o seu ardor e fervor religiosos se denunciavam na sua voz a sobressair ao final das preces entoadas pelo Padre, bem como no decorrer dos cantos litúrgicos. Relacionava-se bem com os padres e era comum associar-se a eles nos trabalhos de mobilização da comunidade. Se era presença constante na Paróquia a que pertencia, não deixava também de se fazer presente naquelas dedicadas a santos de sua devoção, a exemplo das distantes igrejas São Judas Tadeu, São Sebastião e Santo Expedito.

Pelo gosto dela, o envolvimento dos filhos com a Igreja seria contínuo e permanente, já que também havia os movimentos direcionados à juventude, como as Filhas de Maria e os Congregados Marianos, para moças e rapazes, respectivamente. Entretanto, quando chegavam à adolescência, ia ficando cada vez mais difícil mantê-los fiéis aos compromissos da religião, pois então já queriam ser livres do mando dos pais e tocar a vida pela própria cabeça. Esse afastamento sempre lhe causava desalento, já que não ocultava de ninguém, antes ao contrário, seu sonho de ter um filho padre. Foi então que seu quarto filho, para sua imensa alegria e mesmo surpresa, manifestou interesse de entrar para o... Seminário!! José era criança ainda e faltava concluir o curso primário. Sentindo-se plena, Dona Ditinha não viu problema em renunciar ao filho que, com 10 anos apenas, passou a estudar em regime de internato no Seminário Menor Diocesano Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, em Montes Claros. Digo “renunciar” porque o regime de internato era rigoroso não só para os alunos, como também para os pais, que só podiam ver os filhos uma vez por mês, num domingo à tarde. Ante essa ausência, o que ela fez foi entregar-se de corpo e alma ao estímulo daquela vocação. Por seis anos, o filho Zezinho estudou no Seminário Menor, onde só lhe deu alegria, pois imprimia excelência em tudo que fazia, primeiro lugar geral nas provas, domínio das línguas e da oratória, liderança nata, dava até aulas... E, assim, até concluir o Curso Clássico, de nível médio, e se transferir com os colegas de turma, no início de 1963, para Diamantina, agora para cursar Filosofia no Seminário Maior ali existente, até enfim ordenar-se padre. Quando tudo parecia ir bem – segundo ele, os estudos eram atraentes e a fé mantinha-se firme –, uma pedra surgiu no meio do caminho. Era maio de 1964 e a Revolução ocorrida a 31 de março afetava também aquela instituição religiosa, devido ao posicionamento extremado do Arcebispo Dom Geraldo de Proença Sigaud, um ultraconservador que não admitia inovações na igreja. Então, sem muita explicação, o Reitor convocou cinco seminaristas simpatizantes de ideias progressistas provenientes de Montes Claros – entre eles o Zezinho - e ordenou-lhes que retornassem à cidade e se apresentassem ao seu bispo diocesano. Este não concordou com o pleito dos mesmos de serem enviados para outro seminário maior e determinou que ficassem no Seminário Menor de Montes Claros. Assim fizeram, porém, não encontrando ali a estrutura necessária para darem continuidade aos seus estudos de nível superior, nem achando outro lugar à mão onde pudessem continuar estudando para padre, sentiram-se abandonados e aí a vocação de todos balançou, tendo início a debandada. Na indecisão do que fazer e faltando-lhes uma maior atenção e apoio, o jeito para o Zezinho – a quem, de tão promissor e de tanto vê-lo vestido de batina, a Dona Ditinha já quase tinha na conta de padre –, espinhosamente pedindo perdão pelo desgosto que estava a lhe causar, foi anunciar que iria deixar a batina e tomar outro rumo na vida. Era final de agosto de 64, Dona Ditinha sentia ainda a alegria da grandiosa festa de suas bodas de prata, realizada dias antes. Impossível descrever quão duro e difícil foi para ela ouvir aquele anúncio. Não era apenas o seu tão acalentado sonho, mas o próprio mundo que parecia desmoronar. Então, para poupá-la do sofrimento que a sua presença em casa, e não mais no seminário de onde poderia sair ordenado padre, passou a significar, o filho mudou-se para Belo Horizonte, indo morar na casa de um tio.

Com certeza, aquela foi uma grande, imensa provação para a Dona Ditinha e por algum tempo o seu coração se mostrou ferido.

Até que um dia, sentindo a mãe triste e também acreditando levar jeito para sacerdote, foi a vez do seu oitavo filho, Tião, pedir-lhe para ingressar no Seminário, havendo ele, naquele ano, concluído o curso primário. Tião passou ali quatro anos, cursando todo o ginásio. Contudo, o seu espírito inquieto bateu de frente com o regime austero do internato: por lá aprontava a toda hora e, segundo ele, só foi salvo da degola pelos seus superiores devido aos méritos dos biscoitos da mãe. Como, dado o seu temperamento, não era assim tão grande a expectativa de que ele um dia viesse a se ordenar, sua saída do Seminário não causou tanto abalo como da primeira vez. Então, sentindo que da sua toca não sairia coelho, ou melhor, padre, o que, em compensação, fez Dona Ditinha foi abraçar com franco entusiasmo a causa das vocações sacerdotais. Nesse sentido, fez-se próxima de um bom número de seminaristas, para quem tinha sempre uma palavra de estímulo e afeto, chegando até a virtualmente adotar alguns deles, mais promissores. Esse pessoal era visita constante na sua casa, o que muito a alegrava. Aqueles que eram de outras cidades encontravam ali uma boa dose do aconchego familiar que lhes tinha ficado para trás, sendo muito provável que também uma potente injeção de ânimo quando a fé vacilava. Verdade é que bem poucos perseveraram até a ordenação final, mesmo assim muitos se mantiveram a sua volta, dando mostras de seu eterno reconhecimento pelo carinho e incentivo recebidos.

Justiça se faça também a Seu Dário, que em matéria de religiosidade não ficava atrás. Católico fervoroso e leitor assíduo da Bíblia, sempre favoreceu a prática viva do cristianismo e estimulava a esposa a promover em sua casa os meios de cultivo da fé e do agir solidário. Como membro atuante da Conferência dos Vicentinos, cujo patrono é São Vicente de Paulo, o Pai dos Pobres, ele assumia a responsabilidade de organizar e coordenar mensalmente os terços vicentinos com leilões para angariar fundos para obras sociais. Dona Ditinha organizava a estrutura de recepção dos fiéis e doadores e ele fazia o papel de animador e leiloeiro. O evento era aguardado por todos com expectativa, pois, além do aspecto religioso, tinha o aspecto social de confraternização e alegria. As prendas doadas variavam de alimentos confeitados e enfeitados para atrair o público a peças artesanais bordadas a mão e utilitários domésticos. O ritual começava com o terço vicentino, sempre entremeado com preces de elevação à partilha e amor ao próximo; a seguir vinha o leilão com a puxada do animador estimulando os lances divertidos de “quem dá mais” e o arremate em suspense de “é um?!!.. é dois?!!.. é três!!..”, culminando com o delicioso e tão esperado café com biscoitos.

Certamente iluminados pela luz da bondade e caridade acendida por São Vicente de Paulo, os últimos doze anos de vida de Dona Ditinha foram grandemente consagrados ao Asilo São Vicente de Paulo, cuja antiga sede, na rua Doutor Veloso esquina com a General Carneiro, ficava próximo à sua casa. Então, o asilo mais parecia uma velha casa grande adaptada para acolher os velhinhos abandonados e pessoas com deficiências, não era amplo e moderno como o atual, construído no bairro Dos Mangues. A estrutura era simples e a sua sustentação era garantida pelos atos voluntários de pessoas solidárias, tanto para compor sua mão de obra administrativa e operacional como para arrecadar fundos para a sua manutenção. Dona Ditinha agregava o grupo das senhoras da caridade que, além de assistir os idosos, também trabalhava na confecção de peças artesanais para geração de renda. Desse trabalho, ganharam marca registrada os panos de prato do asilo laboriosamente trabalhados com bordados ponto de cruz e vagonite e acabamentos em franjas de croché. Como ela nunca foi de costurar e bordar e ficara com um dos braços paralisado após sofrer um AVC, sua colaboração era desfiar os tecidos para facilitar a arte das bordadeiras. No entanto, labuta maior que zelar pelas dezenas de asilados era angariar dinheiro para garantir o pão de cada dia deles e o atendimento das suas demais necessidades. Os bazares com venda das peças artesanais e os tradicionais leilões de Santa Rita de Cássia e de São Vicente de Paulo, organizados com a parceria da comunidade, ofereciam suporte, mas não eram suficientes, impondo-se campanhas, comumente feitas no boca a boca, com vistas a contribuições permanentes. Assim, volta e meia lá estava a Dona Ditinha a bater de porta em porta, na casa de amigos e conhecidos, para levar-lhes o apelo. Certa feita, ao notar que a alimentação dos idosos por vezes se reduzia a sopas ralas de verduras, ela criou a Campanha do Quilo de Carne, com doadores definidos para cada dia do mês. Com a adesão conquistada e o cronograma estabelecido, os carnês eram emitidos e, sob a sua coordenação, um rapazinho no papel de office boy passava com sua bicicleta recolhendo o dinheiro para a compra da carne. A retribuição que recebia por sua participação e comprometimento, que incluiu o desempenho de papéis definidos na Diretoria da instituição, não poderia ser mais milionária: o carinho, o amor, a gratidão, o sorriso e a amizade dos moradores do asilo. E isso sempre lhe trouxe muita felicidade. Em reconhecimento da sua contribuição, um dos pavilhões do novo Asilo São Vicente de Paulo foi batizado com o seu nome.

“Quem coloca solidariedade a serviço da vida é reconhecido pelos olhos do mundo e visto como anjo de Deus.”

As bem-aventuranças da superação, da perseverança, do reencontro

Ninguém passa pela vida sem topar com desafios, provações e quedas inesperadas.

E a vida volta e meia passava rasteiras na Dona Ditinha – umas gerando tristezas, por ver e sentir sonhos interrompidos; outras causando aquela dor brutal que, mesmo depois de assimilada, deixa o peito lacerado para sempre. Assim foi em 1955, quando ela perdeu a sua filha Maria de Fátima, com 4 aninhos apenas, um lindo anjinho de cabelos louros anelados, na fase mais faceira da infância que é quando a criança começa a se soltar e a descobrir o mundo. Assim foi em 16 de dezembro de 1969 quando, em Belo Horizonte, a caminho de Uberaba para participar da tão sonhada e esperada formatura em medicina do seu segundo filho Carlos, o seu marido Dário, com 59 anos, sofreu um infarto fulminante. Tristeza avassaladora, quando dias especialmente radiantes de felicidade súbito viram o seu avesso, convertendo-se em escuro luto pela partida repentina do companheiro com quem vivera feliz por trinta anos. E, como se já não bastasse essa imensa dor, outra, inesperada rasteira querendo derrubá-la de novo, passados menos de quatro meses: em 3 de abril de 1970, aos 29 anos de idade, morre seu filho primogênito, num violento acidente de carro na estrada Januária–Montes Claros. Sim, o Tuca da Brahma, aquele eterno menino da alegria que adorava tirá-la do sério com suas provocações e piadas espirituosas, que estava sempre a abraçá-la querendo jogá-la ao alto como se ela fosse uma criança. Quanta dor! Quanta consternação! Embora pesarosa, a Dona Ditinha absorveu esses baques com resignação, sem lamúrias nem revoltas. Resguardou-se por longo tempo não só no luto exterior, de vestimentas pretas, mas naquele luto íntimo da alma quando confrangida. E, mesmo dando a volta por cima, a sua espontaneidade não era mais a mesma, o seu entusiasmo e alegria tornaram-se mais contidos, a sua vaidade ficou reprimida (não mais quis se maquiar nem usar o batom vermelho de que tanto gostava) e as cores nos seus vestidos e adornos tornaram-se mais neutras.

Em 1972, os filhos Lourival e Zezinho, já formados em Economia e residentes em Brasília, sentindo o peso da responsabilidade da mãe viúva com filhos cursando universidade, mais quatro ainda menores, convenceram-na a mudar-se para lá. Com certeza, em Brasília as perspectivas de estudo e trabalho eram mais promissoras para todos, sem falar que ali ficaria mais fácil para os dois lhe darem o seu apoio. Renunciando ao seu canto, hábitos, amizades e ao seu modo independente de viver em Montes Claros, Dona Ditinha reuniu a prole e rumou para a Capital Federal, onde viveu de fevereiro de 1972 a agosto de 1976. Tudo poderia ter dado certo para ela, não fossem as dificuldades de adaptação ao estilo de vida que Brasília – metrópole, então, ainda em formação e radicalmente diferente de qualquer outra cidade no Brasil e talvez no mundo, a ponto de causar enorme e inevitável estranhamento em quem ali chegava de mudança – lhe impunha: “aprisionamento” em apartamento, sem um quintal onde ter plantas pra cuidar; falta de amigos e de familiaridade entre os vizinhos (cada um era proveniente de um estado diferente); dificuldade de locomoção, já que em Brasília tudo era longe e dependia de transporte motorizado; ausência de coisas que amava fazer, como por exemplo a feira num bom mercado municipal. Sentia-se uma estranha no ninho e, não obstante acompanhada, sozinha. Sentiu também muito mais dificuldade na condução dos filhos adolescentes, os quais também, cada um a seu modo, não deixavam de se mostrar impactados com a mudança, reagindo às vezes com rebeldia e com os dois meninos menores brigando muito entre si. Ainda assim, dava pra ir levando a vida normalmente: família unida sempre a movimentar a casa, netinhos chegando, programas de lazer nos finais de semana para desafogar as tensões...

Como, todavia, na verdade é a vida que nos leva, numa chuvosa, infortunada manhã de outubro de 1973, chegava o dia em que a vida lhe daria nova rasteira e desta vez literalmente. Queixando-se de tontura e forte dor de cabeça, com dificuldade de caminhar, a boca torta e a fala enrolada, saindo-lhe a custo, ela pediu que a levassem ao hospital, o que foi feito de imediato. Ao ser atendida na Emergência do hospital, o terrível diagnóstico: sofrera um AVC (acidente vascular cerebral) que a deixou com o lado direito do corpo paralisado. Se naquele instante o mundo desabou para os filhos, infinitamente mais para ela, que sempre fora dona de si e autossuficiente. Quantos porquês, dúvidas e angústias não devem tê-la atormentado quando se viu, aos 54 anos, um tanto incapacitada e ainda com filhos para criar! Ficou, sim, abalada e transtornada por algum tempo. Mas, com a fé voltando a operar e na convicção de que o único caminho a seguir era procurar forças em si mesma, ela levantou a cabeça e se entregou com determinação ao tratamento no Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek de Brasília. Recém-implantado, aquele centro era, como continua sendo, referência nacional para recuperação físico-motora, e o acesso a ele na época era mais fácil, por isso ela teve a sorte de contar com uma equipe renomada de ortopedistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, além de modernos equipamentos e aparelhos de reabilitação. Foram meses intensos de tratamento, com sessões diárias de fisioterapia e psicoterapia, além dos exercícios de casa que ela sempre queria fazer de forma triplicada. Com sua fé, esperança, otimismo e força de vontade potencializando o tratamento, Dona Ditinha logo voltou a falar normalmente e, em menos de um ano, conseguiu recuperar o equilíbrio do corpo. O movimento do braço direito, ela nunca mais recobrou, mas nem por isso, exceto no início, aderiu ao uso de tipoia, preferindo, quando sentia necessário, segurar o braço adormecido com a mão esquerda. A perna afetada, sim, reabilitou-se a ponto de permitir que ela voltasse a andar, ainda que tendo de repuxá-la – mesmo assim, não era muito dada ao uso da bengala, quando o certo seria usá-la sempre, para um melhor apoio. Ainda como parte do esforço na reconquista da sua mais do que cara autonomia, o fato de ser destra exigiu que ela, fosse lá como fosse, se tornasse canhota. Pois, quem na família ou no seu círculo de amizades não teve a grata satisfação de receber uma carta ou um cartão escrito pela Dona Edite com a sua mão esquerda! Foi assim: lembrando-se do seu tempo de professora, quando se usava caderno de caligrafia para tornar a letra bonita ou ao menos legível, ela, lançando mão desse recurso, passava pacientes horas a pelejar entre as linhas do caderno, primeiro treinando o desenho das vogais, depois o das consoantes e daí a um tempo já escrevendo palavras inteiras. A letra saía torta, tremida, desengonçada, mas só foi melhorando e melhorando até que de novo a diligente Dona Ditinha estava plenamente “alfabetizada” na escrita. Como de cozinhar a própria comida ela nunca abriu mão, também na cozinha foi show de superação. Para cortar e picar, ela prendia o legume ou o que fosse sob a mão do braço paralisado, usado como peso, e cortava com a mão boa. O croché, que sempre demandou duas mãos ágeis para segurar as agulhas e entrelaçar os fios, também tinha, incrivelmente, a sua hora e vez, e com o tempo ela foi capaz de presentear cada filho com uma linda colcha de lã feita por ela, colchas que hoje cada um tem na conta de relíquia. Nada era simples e fácil como antes, mas de nada ela desistiu. Tudo era uma persistência fora do comum, sempre dando um jeito de vencer o que a princípio se afigurava como sendo limites.

Ao se mostrar capaz de resgatar sua autoestima e, tanto quanto foi possível, sua capacidade física e motora, Dona Ditinha também voltou a sonhar. No fundo mesmo, seu desejo era voltar para suas origens, retomar a vida que lhe pertencia e formar os filhos menores em um universo mais familiar e acolhedor. De forma secreta, já que não era muito de abrir o coração e também porque poderia encontrar resistência, planejou a construção de um apartamento ao lado da sua antiga casa, em cima da laje que cobria as quatro lojas comerciais construídas ainda no tempo do Seu Dário e que, alugadas, reforçavam sua renda de aposentada e pensionista. Com esse dinheiro e não se sabe com qual mais, se articulou com os profissionais da área, traçou com eles o desenho do apê, comprou o material básico e começou a levantar as paredes. Volta e meia dava uma fugida sorrateira de ônibus de Brasília para Montes Claros, dizendo que ia matar saudades dos parentes e amigos, quando na verdade ia mesmo era supervisionar as obras. Nessa tramoia, com os recursos começando a faltar com a obra sem terminar, o segredo veio à tona. Aí os filhos mais velhos, compreendendo que não seria justo privá-la do seu querer, complementaram o que faltava de dinheiro e lhe deram “carta de alforria”. Ela, que já estava direto em Montes Claros desde final de agosto de 1976, deu entrada no doce novo lar em dezembro, assim que as obras acabaram.

Danada aquela montes-clarense da gema, havia construído um apartamento de dois quartos no maior capricho! Seguro e superbem dividido, boa ventilação e iluminação naturais, nem grande nem pequeno, salas de estar e jantar, cozinha americana, DCE, área de serviço, um “quintal” amplo (no caso, a parte da mencionada laje que sobrou ao se construir o apartamento). Debruçado sobre a rua João Pinheiro mas com entrada pela rua Januária, por uma comprida escada de um lance só e degraus baixos, não faltando corrimão dos dois lados. Vista desde o “quintal” (onde logo não faltariam mimosas plantas crescendo dentro de vasos) para essas duas ruas tão familiares e queridas, em toda sua extensão. Vista também para o bairro Melo lá embaixo, onde o Tuca fizera a sua casa ao se casar. Vista para a serra! Principalmente, vista para o céu e as nuvens por sobre os morros e montes claros do seu coração!…

A filha Márcia, então com 14 anos, entrou junto com ela, morando aí cinco anos. O filho Roberto, que havia retornado de sua fuga acontecida quando ela ainda morava em Brasília, chegou em seguida, ficando um ano, dos 16 aos 17 anos. Com sua família, voltando de mudança de Uberaba, logo também chegaria sua filha Felicidade, no início de 1979.

Decididamente, os ventos tinham voltado a soprar a favor da Dona Ditinha, era flagrante quão auspicioso era aquele seu recomeço. E, com efeito, ao reencontrar o seu mundo ela foi feliz para sempre!!

Como diz Guimarães Rosa, “o que Deus quer ver é a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar no meio da tristeza. Todo caminho é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta”.

E tudo isso É apenas um pouco De tantas virtudes, gestos, atitudes, Da mulher que queremos bendizer, Aclamar, reconhecer e agradecer. Até qualquer dia desses, minha mãe, Lá no Céu, no Infinito ou no Além, Onde Deus nos permitir reencontrar Sentiremos acolhidos nos seus braços e, À sua sombra, só nos restará dizer Amém!


MONTES CLAROS TEM SEU
BRASÃO DE ARMAS

Lei aprovando o Emblema Representativo do Munícipio

Em 25 de março do corrente ano, foi sancionada a Lei nº 430 que estabelece o brasão de armas do Município de Montes Claros e seu emblema representativo. Essa lei é do seguinte teor:

LEI Nº 430 DE 25-03-1959

Sendo Prefeito Municipal de Montes Claros, o Sr. Simeão Ribeiro Pires e a Câmara Municipal composta dos seguintes Vereadores: Dr. João Valle Mauricio, Presidente; Benoni Gomes da Mota, Vice- -Presidente; José Laércio Peres de Oliveira, Secretário; Dr. Afli Mendes de Aguiar; Dr. Arthur Fagundes de Oliveira; Dr. Geraldo Corrêa Machado; Joaquim de Abreu Silva; José Avelino Pereira; José Linhares Frota Machado; José Maia Sobrinho; Dr. Mário Ribeiro da Silveira; Pedro Martins de Santana, Raimundo Lírio Brant; Dr. Robinson Crusoé Loures de Macedo Moira e Dr. Ubaldino Assis Oliveira.

“O Povo do Município de Montes Claros, pelos seus representantes, decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º - É aprovado, como Brasão de Armas do Município de Montes Claros e seu emblema representativo, o escudo feito conforme desenho e seguinte descrição, de autoria do Engenheiro Nelson Washington Viana: “Consta ele de escudo português, lembrando uma das origens da nacionalidade brasileira, encimado pela coroa mural de cinco (1) torres, designativa de cidade. No interior do escudo e na parte superior ostentam-se duas flores-de-lis, simbolizando Nossa Senhora e São José, sob cuja invocação foi fundado o povoado. Dispostos logo abaixo, veem-se os “montes claros”, lembrando a denominação da Cidade. Destacam-se duas datas, uma de cada lado do escudo: 1707, da fundação do povoado (2) e 1857, da elevação da Vila à categoria de Cidade. Finalmente, na faixa que se apresenta sob o escudo, acha-se gravado o versículo do Salmo “sub umbra alarum tuarum”, que me foi sugerido como adequado conjunto pelo historiador Dr. Augusto de Lima Júnior considerado autoridade em heráldica”.

Art. 2º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrárias.

 

 

 


Este livro foi impresso em Montes Claros-MG, no ano de 2022. Miolo com fonte Adobe Garamond Pro, corpo 12; título fonte Times New Roman, corpo 16; papel Ap 75g. e capa em papel triplex 250 g


Impresso na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
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